Leonardo Valle

Quando se formou em direito, em 2009, Estevão Silva procurou vagas de trabalho em diversos escritórios de São Paulo (SP), sem sucesso. Assim, ele descobriu que a sua história era a mesma de outros afrodescendentes no judiciário.

“Primeiramente, montei o grupo Clã da Negritude, com outros advogados negros e profissionais diversos, para levar as discussões jurídicas raciais para a comunidade negra e periférica”, relembra.

“Após alguns anos trabalhando neste coletivo, eu notei que aqueles meus amigos e eu éramos vítimas de preconceito racial”, pontua.

Foi então que, em 2016, ele criou um grupo com advogados negros para discutir especificamente o racismo e a discriminação dentro do judiciário. A mobilização, que era para ser estadual, se expandiu para outros lugares do Brasil. Nascia, assim, a Associação Nacional de Advocacia Negra (Anan).

“A iniciativa era apenas para advogados, mas vimos a necessidade de incluirmos os estudantes e também os bacharéis negros, que atualmente vivem sujeitos a trabalhos e situações lamentáveis”, relata.

Portas fechadas

O último resultado do Censo do Poder Judiciário (2013) revelou que 15,6% dos magistrados brasileiros eram negros, sendo 14,2% autodeclarados pardos e, 1,4%, pretos. Não se sabe quantos advogados negros exercem a atividade no país, uma vez que não são contabilizados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“Reservada as habilidades e competências técnicas, notamos que o negro sempre está em desvantagem frente a pessoa não negra, e tudo isso fundamentado apenas em sua cor de pele”, assinala Silva.

“Sabemos, não apenas pela constituição federal, mas por outros diplomas legais, que nenhuma pessoa pode ser discriminada ou prejudicada. Assim, se o negro escolheu ser advogado, juiz, promotor ou corretor de imóveis, o Estado precisa garantir que ele consiga exercer sua profissão dignamente, como qualquer cidadão”, enfatiza o presidente da Anan.

“Contudo, notamos a necessidade de uma grande mobilização para que seja cumprida, minimamente, a constituição”, acrescenta.

Ainda de acordo com Silva, os desafios para a mulher negra são ainda maiores. “Há o acréscimo do machismo e ela se vê duplamente excluída deste lugar”, denuncia.

Outra questão é o racismo presente na forma como o judiciário opera. A Agência Pública analisou mais de 4 mil sentenças de primeiro grau para o crime de tráfico de drogas julgados na cidade de São Paulo, em 2017. Proporcionalmente, além de terem sido mais condenados (71% contra 67% dos brancos), os negros foram processados por tráfico com menor quantidade de drogas do que os brancos.

“A Anan pretende ser um órgão fiscalizador do racismo do âmbito judiciário”, reforça.

Frentes de atuação

Atualmente, a Anan está presente nas capitais de São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Goiás. Contra a falta de estatísticas, a associação criou um banco de dados nacional com o currículo de advogados negros, que conta com aproximadamente seis mil nomes.

Além disso, mobilizou grupos de discussão, de troca de informações e de indicações de trabalho. “Criamos um grupo de estagiários e bacharéis negros que precisam de orientação e trabalho. E, mensalmente, propomos cursos de formação”, conta. “Há também outro de fomento as parcerias e permuta entre os advogados e negros”, relata.

Em 2018, a Anan conversou com o presidente do Tribunal de Justiça de SP para tentar avançar com os processos de crimes de racismos que estão parados. Uma parceria com o Sindicato dos Advogados de São Paulo (SASP) conseguiu colocar uma cláusula na convenção coletiva para contratação de advogados negros nos grandes escritórios.

“Nosso principal foco tem sido a melhoria da qualidade profissional dos advogados negros. Entretanto, entendemos que também é imprescindível participarmos para legalizar outras pautas, como genocídio da população negra, lei de racismo, entre outros.”

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Crédito da imagem: divulgação

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