Leonardo Valle

Foi em curso de agricultura e recuperação de mudas, em Arraial do Cabo (RJ), que Zenilda Maria da Silva conheceu outras mulheres da sua região. Como todas também pescavam, elas decidiram formar uma cooperativa de pesca artesanal. Surgia assim, em 2014, a Cooperativa de Mulheres Nativas, que conta hoje com mais de 20 membros.

“Juntas, começamos a adentrar em um campo dominado por homens, que é a pescaria. E também a ocupar espaços físicos que as mulheres não entravam. Atualmente, somos membro do Conselho da Reserva Extrativista do Arraial do Cabo, com direito a voto”, comemora.

Integrantes da Cooperativa de Mulheres Nativas atuam na pescaria, área dominada por homens (crédito: Facebook)

 

Assim como aconteceu com Silva, o cooperativismo pode ser um meio para que mulheres consigam participar de espaços políticos e sociais. “Ao desenvolver o trabalho coletivo, elas começam a participar de locais muitas vezes negados às mulheres por causa da divisão sexual, presente no mercado formal de empregos”, explica a professora do departamento de educação do campo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Carolina Cherfem.

“Nas cooperativas, elas podem participar de reuniões, de movimentos sociais, de redes e passam a ocupar cargos de chefia e diretoria. Com isso, fortalecem-se e, ao mesmo tempo, ampliam a representação política nos espaços de poder”, complementa a pesquisadora, que, em estudo sobre as relações de gênero e trabalho, entrevistou homens e mulheres de cooperativas do campo.

Ainda para a docente, o empoderamento social das mulheres cooperadas também pode refletir positivamente na vida pessoal. “Elas começam a questionar as relações de submissão, poder e até mesmo de violência em que vivem. Passam a conversar umas com as outras, fortalecem-se para enfrentar as desigualdades sociais, estudam e se qualificam, conquistando um valor social que outros trabalhos e atividades não proporcionam”, destaca.

Além disso, outros benefícios são a criação de uma rede de apoio entre mulheres e o exercício da sororidade, experiências que a pescadora Zenilda Silva também vivenciou. “Todas as pescadoras possuem suas famílias e nós nos apoiamos nas dificuldades do dia a dia”, assinala. “Por exemplo, havia uma cooperativada que precisava trabalhar e tinha medo de mar. Com apoio, ela superou o desafio e hoje, quando avisamos que é dia de pescaria, ela é a primeira a ir para o barco”, brinca.

Motivos específicos

Trabalhadora do campo, Janice de Souza exerceu, durante anos, o cultivo de fumo, atividade que estava prejudicando a sua saúde. “Usa-se muitos agrotóxicos e o trabalho é basicamente braçal. Alem disso, a rentabilidade é baixa e as vendas começaram a cair”, relata ela, que recebeu uma orientação médica para não continuar com a prática. “Desenvolvi uma espécie de alergia”, lamenta. Para a camponesa, tudo mudou quando ela entrou em uma cooperativa de hortaliças e verduras. “O trabalho é menos exaustivo e financeira ficou melhor”, garante.

Assim como aconteceu com Souza, as mulheres procuram o cooperativismo por diversos motivos – incluindo melhores condições financeiras e de trabalho. Além disso, essa atividade apresenta vantagens na conciliação com as tarefas domésticas – ainda tidas como socialmente feminina. “Cabe destacar que em nenhuma entrevista que fiz, os homens disseram estar na cooperativa para conciliar trabalho doméstico e produtivo, o que, em contrapartida, aparece na maioria das entrevistas com as mulheres”, atenta a pesquisadora.

Ao longo do estudo, a docente traçou o perfil das cooperativadas: estão entre 31 e 60 anos, com maior concentração entre 41 e 50 anos. Além disso, a maioria apresentava baixa escolaridade. “São mulheres que foram, provavelmente, excluídas do mercado profissional. Diante dessa realidade, o trabalho coletivo e associativo, embora não garanta a ampliação dos direitos do trabalho às mulheres, acaba apresentando um campo fértil para fornecer informações e uni-las na luta por melhores condições de vida”, reforça.

Dificuldades estruturais

Apesar do empoderamento social e econômico que as cooperativas podem proporcionar às mulheres, Cherfem lembra que ainda há dificuldades não superadas na estrutura social desse modelo.

“O cooperativismo é uma das consequências dos processos de flexibilização e reestruturação produtiva do trabalho nos finais dos anos 90, em que as empresas passaram a estimular a formação de cooperativas para se livrar dos encargos trabalhistas dos funcionários (os chamados ‘copegatos’)”, contextualiza.

“Mas há as cooperativas vinculadas à economia solidária, que buscam construir alternativas para lidar com o cenário que desestruturou o mercado de trabalho. Essas se pautam em princípios de democracia, autogestão e auto-organização, solidariedade e gestão coletiva”, diferencia.

O cooperativismo tão pouco é garantia de um ambiente de trabalho com igualdade de gênero. “Muitas mulheres encontram resistência de colegas, não conseguem sair de sua condição de opressão, ficam com jornadas triplas, o que faz com desistam desse tipo de organização. Além disso, muitas cooperativas também são precárias, não conseguindo gerar renda suficiente para as mulheres”, finaliza.

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