A Pesquisa Nacional de Valores de 2017, realizada pelo Datafolha, convidou 2.422 pessoas a apontarem quais valores caracterizavam o Brasil e o brasileiro. O resultado foi contraditório: a corrupção ganhou como o comportamento que melhor definia o país e a honestidade como principal característica do brasileiro.

“Penso que ainda temos dificuldade de perceber em nós o que criticamos no outro. Há na nossa sociedade a tendência em graduar o erro, ou seja, uma maior tolerância a atos corruptos cometidos por alguns do que por outros”, analisa a doutora em psicologia e pesquisadora do tema, Nanci Gomes.

Uma hipótese para dados tão díspares seria entender essa questão apenas como um ato cometido por políticos e não pelo “cidadão comum”. “A corrupção é subverter uma norma, lei ou combinado que favorece o bem comum visando satisfazer interesses particulares”, define a pesquisadora. “São necessários dois lados para haver o ato desonesto: aquele que propõe e aquele que executa”, acrescenta.

Além disso, não haveria um corrompimento grande ou pequeno, pois os valores são os mesmos. “Aquele que joga uma latinha no mar e acha que não está prejudicando alguém, ou nem se pergunta sobre essa possibilidade, está guiado pelos mesmos valores e impulsos que o político ou empresário que corrompe uma licitação pública”, reforça.

A lista de atos corruptos que um cidadão comum pode realizar, aliás, é grande. “Colar em uma prova; guardar lugar na fila de um cinema; passar pontos de multa para a habilitação de outra pessoa; apresentar um orçamento maior para reembolso; usar a identidade de outra pessoa para obter alguma vantagem; enfim, são incontáveis os atos corruptos que podemos cometer e que, muitas vezes, achamos que somos espertos ao fazê-los e idiotas se não”, exemplifica.

Herança de exploração

Para o professor da faculdade de direito da Universidade de São Paulo (USP), Gustavo Justino de Oliveira, a dificuldade do cidadão comum em não perceber a corrupção em alguns dos seus atos também impacta no campo da política. “Se ele não se enxerga como corrupto, a tendência será também não enxergar um político ou um grande empresário como desonesto. É mais fácil ‘desculpá-los'”, pontua.

Oliveira, contudo, refuta a ideia de que o brasileiro é “corrupto por natureza”. “Temos de entender que ainda vivemos resquícios de uma sociedade escravocrata e espoliativa. A grande parcela da população, a mais carente, é explorada por uma parte menor que detém poder político e econômico. Isso gera desigualdade de oportunidades e no acesso à educação, saúde, serviços públicos, emprego. Assim, alguns cidadãos aprenderam que há atalhos para atingir um resultado”, explica.

“Por fim, pesquisas apontam que o brasileiro desconfia das suas instituições públicas, optando resolver os seus problemas por meio de caminhos paralelos, nem sempre legais ou éticos”, reflete.

Para Nanci, a forma como a sociedade funciona facilita que atos de corrupção ocorram. “Há nela uma forma de funcionar, em suas prioridades, na lei de mercado, no incentivo ao sucesso e ao consumo, que favorecem o narcisismo e o individualismo”, pondera.

“Além disso, o ser humano é vulnerável a esse tipo de ato. Parece haver na oportunidade da corrupção algo tentador que reforça a vontade de satisfazer a todo o custo suas próprias vontades e impulsos”, complementar.

Segundo a pesquisadora, quebrar o ciclo de corrompimento exigiria reforçar o sentimento de coletividade contra o individualismo. “Também é necessário fortalecer atributos como solidariedade, comoção com o sofrimento alheio, senso de justiça, senso crítico, reflexão e autorreflexão, resistência à violência, comprometimento, dentre outros”, finaliza.

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