Leonardo Valle

A pandemia do novo coronavírus (covid-19) trouxe uma crise econômica, política e sanitária para diversos lugares do mundo, incluindo o Brasil. “Apesar de todos sermos vulneráveis ao vírus, ela atingiu de forma diferente as pessoas, de acordo com a situação física, idade, condição econômica e social”, lembra o psicanalista e diretor do Centro de Psicologia Aplicada da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Bauru (SP), André Luiz Gellis.

“O desconhecimento sobre a ação do vírus, a crise econômica, o desemprego, a necessidade de isolamento, o medo da morte, os lutos, tudo isso gerou estresse, ansiedade e pânico”, acrescenta.

O final da pandemia, porém, pode deixar importantes reflexões, tanto no plano emocional quanto social.

“Uma situação assim evidencia questões na sociedade que estavam ocultas”, aponta a doutora em sociologia e pesquisadora do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania, da Universidade de São Paulo (USP), Cibele Saliba Rizek. “A sociedade não será mais a mesma após essa experiência e isso também pode trazer esperança.”

Conheça oito possíveis aprendizados trazidos pela crise da covid-19:   

Ressignificação da vida

Segundo o psicanalista, a pandemia atinge a onipotência do ser humano ao lembrar sua mortalidade. “Quando passa, há a oportunidade de reconstruir e ressignificar a vida. Afinal, não temos todo o tempo do mundo e há decisões e projetos que não podem ser postergados”, orienta.

Ser solidário

A propagação rápida do vírus reforçou a importância da solidariedade. “Houve a ideia de que eu preciso me proteger para não ser vetor da doença. Com isso, protejo o outro”, descreve Gellis. O mesmo ocorreu com a criação de redes de apoio entre familiares e vizinhos. “Estamos todos juntos, ainda que, momentaneamente, separados.”

Exercitar a empatia

Todos precisam estar protegidos para o vírus não se propagar. Isso trouxe visibilidade para indivíduos ignorados pela sociedade, como pessoas em situação de rua, moradores de comunidades e outros grupos vulneráveis.

O mesmo vale para os trabalhadores que estão na linha de frente, como técnicos de internet, caixas, faxineiras, entregadores, enfermeiros e médicos. “Pudemos conhecer um pouco da realidade do outro. Houve expressões de comunhão, ou seja, do que eu tenho em comum com quem é diferente”, completa Gellis.

Estamos todos conectados

Sem respeitar fronteiras geográficas, a pandemia mostrou que estamos todos conectados. “O mapa da doença é o mundo. O coronavírus é uma questão humana, não somente de uma nacionalidade”, contextualiza Rizek.

Como estamos vivendo a mesma situação, foi necessária uma resposta em comum. “Isso exigiu uma instituição que orientasse os países no enfrentamento da doença, no caso, a Organização Mundial de Saúde (OMS).”

“Por mais que cada país tenha autonomia e aja de modo diferente, a OMS criou uma dimensão pública além dos Estados nacionais ao fornecer diretrizes”, afirma a socióloga.

Ciência para sobrevivência

O papel da OMS reiterou a importância da ciência para a manutenção da vida. “Ela compartilhou as boas experiências de outras nações, instruindo e alertando a partir de conhecimento científico e dados comprovados”, aponta Rizek.

“Se não houvesse uma entidade como essa, poderíamos estar na mão de políticos que negam fatos históricos e científicos, como o dos Estados Unidos, Donald Trump”, exemplifica.

A vida é direito de todos

Necropolítica é um conceito do filósofo camaronês Achille Mbembe que aborda o direito do Estado de decidir quem merece morrer ou viver. “Quando um político se contrapõe ao isolamento afirmando que ‘alguns poucos vão morrer’ em prol de ‘um bem comum’, é como se ele se auto atribuísse o direito de escolher quem deve morrer. Nesse caso, idosos e pessoas doentes”, exemplifica Rizek.

Para a socióloga, reafirmar o direito à vida é um ato político e de resistência. “É uma revisão do ideal de igualdade. Quando isso acontece, reencontramos a humanidade em nós”, declara.

A economia é feita por pessoas

Priorizar a vida ou a economia? Essa é uma questão debatida durante a quarentena.

“Quando se fala ‘o mercado’ ou ‘a economia’, é como se estes fossem entidades abstratas, que não possuem relações sociais, ou seja, que não dependem de pessoas vivas”, explica Rizek. “Porém, as mercadorias não vão para o mercado andando sozinhas”, brinca.

“Salvar a economia depende de pessoas vivas e ativas”, acrescenta Gellis.

Saúde pública merece investimento

Com um sistema de saúde majoritariamente privado, os Estados Unidos viram pessoas sem convênio médico morrerem após os hospitais recusarem atendimento. Já França, Espanha, Itália e Brasil – com seu Sistema Único de Saúde (SUS) – possuem modelos públicos e gratuitos.

Aqui no país, contudo, a emenda constitucional (EC) 95/2016 congelou investimentos em educação, saúde e assistência social por 20 anos, o que enfraqueceu seu atendimento. “A gente se apoiou justamente no que vinha sendo sucateado, que foi o SUS e as pesquisas científicas”, exemplifica Rizek.

“A pandemia deixou claro que a iniciativa privada não substitui o SUS e não significa mais qualidade, com hospitais particulares igualmente lotados”, compara. “Em um país com grave desigualdade social, um sistema que atenda à população sem distinção é fundamental e merece investimento”, decreta.

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Crédito da imagem: sasirin pamai – iStock

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