Leonardo Valle

“Mulheres não são confiáveis”. “Mulheres gostam de competir entre si”. Esses e outros preconceitos eram corriqueiramente ouvidos na juventude pela paulistana Renata Lopes. “Como uma garota que cresceu na sociedade machista brasileira e na classe média, sempre foi normal falar do corpo, estilo e cabelo daquelas que não eram da mesma turma. Diminui-las como inimigas, sem sequer conhecê-las”, relembra.

Foi somente quando começou a estudar sobre empoderamento feminino que a mudança aconteceu. “Comecei a reconhecer como o machismo se manifestava em mim e perceber os pensamentos condicionados. Parei de julgar, de competir e vi que era meu dever ajudar outras pessoas do mesmo gênero que eu. Eu poderia escolher comprar um produto fabricado por uma mulher para contribuir com o seu desenvolvimento e sustento, por exemplo”, relata.

A mudança de Lopes faz parte de um conceito mais amplo e que tem ganhado força na sociedade: a sororidade. “O termo significa uma aliança entre mulheres, como uma irmandade. Uma ajudando a outra”, resume a historiadora e escritora feminista, Luana Tolentino.

O fato é que origem da ideia que vincula o feminino ao “mal” é difícil de mapear. Sabe-se que as sociedades pré-históricas eram de caçadores e possuíam estruturas de gênero igualitárias. Com a chegada da agricultura e da fixação do homem ao solo, as sociedades e religiões patriarcais ganharam força, assim como a fiscalização da sexualidade da mulher.

“É um longo processo histórico que foi produzindo a sensação e também a materialidade de que mulheres não são confiáveis, impedindo-as de se reconhecerem como pares”, lembra antropóloga e pesquisadora do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo (USP), Jacqueline Moraes Teixeira. “É difícil pensar esse processo sem recorrer à matriz cristã, que foi importante no ocidente. Os mitos do cristianismo interpretam a mulher como uma personagem fraca e indigna de confiança, que traiu a divindade que a criou e o homem para a qual ela foi criada”, assinala.

Para Teixeira, à medida que o feminismo analisou historicamente a opressão, desnaturalizou também tudo o que era reconhecido como feminino até então – incluindo a ideia de desconfiança e o distanciamento entre mulheres que tal pensamento provocou. “No fim, a sororidade repara um erro que vem sendo propagado há séculos”, opina Renata Lopes.

Todas juntas

Foi o conceito de sororidade que motivou a jornalista Viviane Duarte a fundar o projeto “Plano de Menina”. A iniciativa funciona como um curso e leva informações e debates sobre assuntos variados a jovens de 13 a 18 anos, moradoras das periferias de São Paulo.

“As aulas acontecem aos sábados e são temáticas. Em cada encontro, discutimos assuntos como autoestima, sexo, educação financeira, liderança feminina, tecnologia e empreendedorismo”, descreve. “As meninas também têm encontros com tutoras das mais diversas profissões. O objetivo é que elas criem novas perspectivas de vida”, enfatiza.

Para Duarte, outro ponto importante é fomentar a ideia de irmandade entre todas as mulheres, independente de raça e situação social. “É comum a sororidade ser entendida apenas como um exercício entre pessoas brancas e de classe média, ignorando a irmã negra ou as trans. Nenhuma de nós deve ser deixada de lado, por isso, é importante olhar para além da nossa bolha na hora de exercer a sororidade”, decreta.

A sororidade também fez a diferença na vida da historiadora Nadia Satie. Após passar pela formação no grupo Produtoras Populares Legais, ela e suas amigas de turma fundaram um novo coletivo. “A formação nos deu ferramentas sobre como entender e agir em situações de violência ou submissão”, explica. “Mas percebemos que existe uma falta de acompanhamento das mulheres que sofrem agressões nas suas audiências judiciais. Passamos, então, a acompanhar aquelas do nosso círculo para demonstrar ao agressor que elas não estão sozinhas”, pontua.

Para Renata Lopes, o resultado da união crescente entre as mulheres será uma sociedade cada vez mais justa. “Ou seja, com salários equiparados entre gêneros e leis que garantam a individualidade. Um lugar melhor de se viver, com certeza”, comemora.

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