Leonardo Valle

Além de ser econômico, sustentável e democrático, andar a pé é o meio de deslocamento mais usado no Brasil. Quem apontou isso foi o relatório geral da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), publicado em 2016. Segundo o documento, 36,5% das viagens diárias no país são feitas exclusivamente dessa forma e 28,3% por transporte coletivo.

“A mobilidade a pé é o pivô da mobilidade urbana. Praticamente todas as viagens têm pelo menos um componente desse tipo, como caminhar até o ônibus, metrô, trem ou bicicletário. Sem contar as viagens curtas, como ir à padaria ou à farmácia”, explica a representante da Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo – Cidadeapé, Joana Canedo.

Ser popular, contudo, não é sinônimo de ser estimulado. Como aponta a porta-voz do projeto Como Anda, Mariana Wandarti, a urbanização das cidades brasileiras priorizou os meios de transportes individuais e motorizados. O resultado foram vias pouco pensadas para o trânsito de pedestres.

“Dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), de 2017, apontam que 41,5% dos óbitos relacionados ao trânsito em São Paulo ocorreram com pedestres. Destes, grande parte acontece com pessoas com mobilidade reduzida, como idosos”, denuncia. “Em outras palavras, a locomoção a pé não é entendida como meio de transporte”, complementa Canedo.

Teoria diferente da prática

A legislação brasileira prioriza, pelo menos na teoria, a circulação de pedestres e ciclistas. A Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/2012), por exemplo, cita em seu artigo sexto “a prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados”. Já o Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal 9503/1997) lembra que os veículos motorizados são responsáveis pela segurança dos não motorizados e esses, juntos, “pela incolumidade dos pedestres.”

“Assim, não é o caso de incentivar políticas públicas para o tema, mas de exigir o cumprimento das leis e pressionar o poder público a atuar em prol de uma mobilidade urbana mais sustentável”, contextualiza Canedo. “A questão é que a maioria das leis depende de regulamentação ou há conflitos dentro do próprio texto”, lamenta.

Segundo ela, entender a mobilidade a pé como meio de transporte necessita repensar a conectividade da cidade. Isso inclui calçadas conservadas, travessias sinalizadas com faixa e semáforos com tempo que priorizem o pedestre.

“Também é necessário fiscalização, educação para que se aprendam e respeitem leis de trânsito já existentes e a diminuição das velocidades do trânsito para salvar vidas”, acrescenta.

Impasse na gestão

Segundo Wandarti, a questão da manutenção da calçada na cidade de São Paulo é um exemplo de impasse entre cidadãos e poder público que impacta diretamente na mobilidade urbana.

“Em geral, a responsabilidade sobre a execução, manutenção e reforma de calçadas é dos proprietários dos imóveis, salvo em condições específicas, como rotas acessíveis e vias de grande fluxo, onde a gestão municipal é a responsável. Mas não existe uma relação clara: se o proprietário é o responsável, como chega a informação sobre a obrigatoriedade e as exigências técnicas de execução do passeio? Ou se é a prefeitura, quais mecanismos garantem a priorização dessas obras em relação a outras? Ou qual legislação define destinação de recursos?”, questiona.

“Parece que há uma dificuldade da gestão pública se responsabilizar pelos passeios por conta de recursos. A discussão em São Paulo, por exemplo, sempre esbarra aí: nem gestores, técnicos ou sociedade civil querem aprovar uma lei que passe essa responsabilidade sem indicar as fontes de recurso disponíveis, para que reformas e melhorias se concretizem”, relata.

A sociedade civil, porém, tem se organizado para defender a mobilidade a pé. Criada em 2015, a Cidadeapé conseguiu que o Conselho Municipal de Transporte e Trânsito de São Paulo adicionasse uma cadeira para o tema. Além disso, criou a Câmara Temática de Mobilidade a Pé, que atua diretamente com técnicos da CET para propor melhorias em São Paulo. “Essa câmara trata, por exemplo, de questões relacionadas a tempo de travessia, faixas de pedestres, diminuição das velocidades e calçadas”, comemora Canedo.

Já o Como Anda é um projeto que desde 2016 mapeia organizações e iniciativas em todo o Brasil que trabalham com a mobilidade pé. Os dados ficam disponíveis para consulta no site da iniciativa.

Veja mais:
Vídeo – Opção pelo automóvel e deslocamentos longos são os principais desafios para mobilidade
Podcast – Conheça Afuá: a única cidade sem carro do Brasil

Crédito da imagem: Connel_Design – iStock

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