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Marcelo Abud

Quais as consequências do crescimento de ideologias de ultradireita no Brasil e no mundo?

O Instituto Claro buscou a resposta com o doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus de Marília (São Paulo), e professor de teoria política na mesma instituição, Jefferson Rodrigues Barbosa. Há mais de uma década, ele se dedica à pesquisa de temas sobre extremismos políticos de direita e pensamento conservador.

“Não se trata de um fenômeno atípico, de uma crise da situação brasileira descolada da realidade mundial. O cenário internacional também caminha para uma conjuntura de radicalismos políticos, mas, aqui, a situação se tornou bastante grave, porque esses movimentos chegaram ao poder”, afirma.

Imagem aérea mostra suástica nazista decorando fundo de piscina da casa de um professor de história, em Pomerode (SC). Acontecimento é citado no documentário “Anauê!” (crédito: Polícia Civil de Santa Catarina/Divulgação)

 

No áudio, o professor explica que riscos esta ascensão da ideologia neoconservadora pode trazer às democracias dos países em que estão acontecendo. Ele também diferencia a origem do integralismo no Brasil, que teve força, principalmente, a partir da década de 1930; das ideologias nazistas, que são identificadas como uma defesa da supremacia branca; e fascistas, que defendem um estado nacional, exércitos e partido único fortes.

No podcast, você acompanha ainda a participação do historiador e documentarista Zeca Pires, diretor do documentário “Anauê – o Integralismo e o Nazismo em Blumenau”. Ao trazer depoimentos de pesquisadores, populares e militares, o filme discute o que aconteceu na região do sul do país, antes, durante e no pós-guerra.

“Eu acho importante saber como foi este período do nazismo, do fascismo, da Segunda Grande Guerra , para que não se repitam coisas como genocídio e ódio”, resume sobre o propósito da obra. Para ele, o filme é uma forma de refletir sobre o presente, especialmente em um momento em que ideologias reacionárias têm se fortalecido no Brasil e no mundo.

Helmuth Danker durante gravação de depoimento para Zeca Pires (crédito: Adenor Gouvea/divulgação “Anauê!”)

 

Para Jefferson Barbosa, o maior problema do país, atualmente, é que “há uma manifestação bastante contundente de repúdio às instituições democráticas. Então, é um clima de radicalização política no Brasil que nós, dentro das ciências sociais, gostamos de denominar sob a terminologia de ‘Processos de Fascistização’”, conclui.

Transcrição do áudio:

Jefferson Barbosa:
Sobre a questão da ascensão do neonazismo, neofascismo, esse não é um fenômeno político novo. Desde o final da 2ª Guerra Mundial, grupos herdeiros do partido fascista, do partido nazista na Alemanha e, aqui no Brasil, o caso dos herdeiros do integralismo, esses militantes continuaram as suas atividades, desde a década de 1950 até os dias atuais.

Marcelo Abud:
Esse é Jefferson Rodrigues Barbosa, doutor em ciências sociais pela Unesp, no campus de Marília, São Paulo. Pesquisador de temas sobre extremismos políticos de direita e pensamento conservador há mais de 10 anos.

Vinheta: “Instituto Claro – Cidadania”

Trilha instrumental do documentário “Anauê – O Integralismo e o Nazismo na Região de Blumenau”, executada por Jorge Canto, de fundo

Marcelo Abud:
Movimentos de extrema direita tem ganhado força no mundo? E no Brasil, esse tipo de pensamento coloca a democracia em risco?

Enquanto os grupos chamados neonazistas são identificados pela defesa da supremacia branca e os fascistas cultuam a ideia de um estado nacional, de um exército e de um partido único fortes, Jefferson Barbosa explica que o integralismo teve particularidades, ao ganhar força no Brasil, a partir da década de 1930.

Jefferson Barbosa:
Após o alinhamento do Brasil com os Estados Unidos, no contexto da 2ª Guerra Mundial, o governo Vargas começou, então, um processo de repressão, de cerceamento das atividades do partido fascista e do partido nazista aqui, isso no final da década de 30, início da década de 40. Assim também os integralistas tiveram dificuldade para continuar a sua militância de forma legal. Os jornais integralistas foram proibidos e o partido foi desmontado. A partir de 1939, ele foi batizado de Ação Brasileira de Cultura e, assim, com o novo nome, os integralistas continuaram a sua atividade.

Curioso é que vendo os jornais integralistas da década de 30, que eu estudei no meu mestrado, a apologia a Hitler, Mussolini e às políticas da Alemanha e da Itália na época da ditadura daqueles países era uma forma de constante apoio e propaganda. As manchetes dos jornais integralistas em apoio ao fascismo e ao nazismo, ao regime de Franco na Espanha e ao de Salazar em Portugal comprovam, então, o posicionamento e a identidade ideológica deste grupo brasileiro.

Marcelo Abud:
No filme mais recente que produziu, “Anauê – O Integralismo e o Nazismo na Região de Blumenau”, o documentarista e historiador Zeca Pires discute o que, de fato, aconteceu naquela região antes, durante e no pós-Segunda Guerra.

Zeca Pires:
Eu acho importante esse olhar para a história, para não sair aí, como vários grupos aqui em Santa Catarina, fazendo apologia ao nazismo, pra que não se repitam coisas como genocídio e ódio.

(Trecho do filme)

Depoimento:
Um helicóptero da polícia veio aqui pra pegar uns ladrões que andaram explodindo uns caixas eletrônicos no interior e olharam lá tinha uma suástica no fundo da piscina.

Zeca Pires:
Era um professor de cursinho, que mora em Pomerode, que botou a suástica no fundo da piscina. Ele negava, inclusive, o genocídio, o Holocausto.

Jefferson Barbosa:
É bastante interessante de se pensar: se temos experiências localizadas – o nazismo, como o caso alemão, o fascismo, como o caso italiano, e o integralismo como o caso brasileiro – nós temos também movimentos, hoje, que se colocam sobre novas nomenclaturas, novos nomes, e adequam a sua ideologia às condições do cenário contemporâneo.

Poderíamos pensar, por exemplo, cada crise migratória europeia em fronteiras da Grécia, observamos várias reportagens de ativistas militantes do partido chamado Aurora Dourada, que estabelece uma espécie de patrulha, buscando migrantes ilegais e desenvolvendo, dentro da Grécia, um movimento bastante radical e, inclusive, envolvendo situações de violência, assassinatos. O Aurora Dourada é um partido dentro das estruturas representativas.

Música: “Diáspora” (Carlinhos Brown / Arnaldo Antunes / Marisa Monte), com Os Tribalistas
“Atravessamos o mar Egeu / Um barco cheio de Fariseus / Com os Cubanos / Sírios, ciganos / Como Romanos sem Coliseu”

Jefferson Barbosa:
Nos Estados Unidos, por exemplo, temos hoje, desde tributários da Ku Klux Klan até a chamada alt-right, a direita alternativa; o Tea Party. E esses movimentos supremacistas brancos têm um impacto significativo naquele país. Como último exemplo no cenário internacional, temos o caso da chamada CasaPound, que é um movimento italiano herdeiro do fascismo. Tem candidatos, essa movimentação, então, infelizmente, é um dado real.

Marcelo Abud:
Em agosto de 2019, o repórter Fabio Zanini, acompanhou conversas em grupos de WhatsApp que distribuem conteúdos de extrema direita. Em episódio do podcast “Café da Manhã”, produzido por Folha e Spotify, ele revela como mensagens de grupos têm proliferado por esta rede social.

Fabio Zanini / “Café da Manhã”:
E, no final, eu estava em cinco grupos extremistas. Alguns são mais fascistas, outros são mais ultraconservadores nacionalistas, tem um grupo integralista, integralismo, que é uma ideologia de extrema direita que esteve em voga no Brasil nos anos 30. E são grupos, geralmente, de 80 a 200 pessoas, variando o tamanho. Então, eles compartilham textos negando o Holocausto e também outras mensagens extremistas, não necessariamente nazistas ou fascistas, então mensagens contra imigrantes, nacionalismo, críticas à esquerda, e por aí vai.

Zeca Pires:
Muitos grupos de jovens também que fazem apologia ao nazismo, eles estão entrando muito em evidência e colocando essas posições. É perigoso, assim.

Jefferson Barbosa:
Mas entre grupos históricos, intervencionistas militares, grupos como nacionais socialistas, nós temos um problema maior nos dias de hoje. Há uma manifestação bastante contundente de repúdio às instituições democráticas. Então é um clima de radicalização política no Brasil que nós, dentro das ciências sociais, gostamos de denominar sob a terminologia de “Processos de Fascistização”. Nós temos movimentos radicais de direita, extremistas, que têm elementos dessa cultura ‘fascistizante’.

Música: “Selvagem” (Bi Ribeiro / Herbert Vianna / Joao Barone), com Os Paralamas do Sucesso
“O governo apresenta suas armas / Discurso reticente, novidade inconsistente / E a liberdade cai por terra / Aos pés de um filme de Godard”

Jefferson Barbosa:
Qual é o resultado de tudo isso em termos do que a história nos ensinou? Guerras, conflitos e, infelizmente, muita violência. Então, observamos que a história não se repete, mas os modelos históricos nos ajudam a entender os rumos da realidade. É um momento de crise das democracias.

Trilha sonora de Reynaldo Bessa fica de fundo

Marcelo Abud:
Para Jefferson Rodrigues Barbosa, manter forte a democracia depende de uma reação em que se defendam a escola e a saúde públicas e, principalmente, a Constituição Brasileira.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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