A professora Gina foi uma das vencedoras do Prêmio Nacional de Educação
em Direitos Humanos (Crédito: Isabelle Araújo/MEC)
“A escola não pode referendar o discurso que delimita determinados espaços como sendo femininos e outros como masculinos”, adverte a professora de Ceilândia (DF), Gina Vieira Ponte de Albuquerque. Ela foi uma das ganhadoras da 4ª edição do Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos no quesito projeto na escola com o “Mulheres Inspiradoras”. O projeto propôs que cinco turmas do 9º ano do ensino fundamental desenvolvessem leituras e atividades relacionadas a mulheres que despertassem inspiração.
Para a educadora, a escola tem como papel desenvolver atividades que permitam ressignificar o papel da mulher na sociedade. Contudo, a reprodução de estereótipos dentro do próprio ambiente escolar pode ofuscar o debate. “Às vezes, uma menina e um menino transgridem quanto à mesma norma escolar e a menina sofre sanções mais severas, porque ‘a conduta era inadequada para uma menina’. E há a tradição de se acreditar que as meninas se saem melhor nas áreas humanas e os meninos nas exatas”, destaca. Confira abaixo a entrevista completa com a professora.
NET Educação – De que forma a escola pode ajudar na diminuição da desigualdade de gênero?
Gina Vieira Ponte – A escola deve ser o espaço da pluralidade e da desconstrução do discurso do senso comum. Muitas crianças crescem em famílias marcadas pela violência doméstica e pelo machismo do pai. Como a desigualdade entre homens e mulheres é uma construção cultural, histórica, modificar essa realidade só é possível pela educação.
NET Educação – Quais questões ligadas às mulheres podem ser trabalhadas na aprendizagem?
Gina – Primeiro, a própria escola deve refletir sobre como lida com a questão de gênero. Ela não pode referendar o discurso que delimita determinados espaços como sendo femininos e outros como masculinos. Se uma menina sinaliza o desejo de jogar futebol, a forma como a instituição acolhe tal desejo pode reforçar essa cultura. Da mesma maneira quando um garoto não corresponde ao “padrão” determinado para o mundo masculino. Se ele se sente incomodado com a agressividade de outros garotos, a escola precisa estar atenta para que ele não seja alvo de preconceito.
Leia também:
NET Educação – Quais as condutas nas escolas que reforçam a desigualdade de gênero?
Gina – Brincadeiras de “meninos contra meninas” podem reforçar essa cultura. A competição dá a ideia de que alguém ganha, porque é superior. Às vezes, uma menina e um menino transgridem quanto à mesma norma escolar e a menina sofre sanções mais severas de colegas e professores, porque “a conduta era inadequada para uma menina”. Há a tradição de se acreditar que as meninas se saem melhor nas áreas humanas e os meninos nas exatas. Outra questão é que a história da humanidade foi contada, na maioria das vezes, a partir do ponto de vista do homem, o que aparece nos livros didáticos. A mulher sempre é representada restrita ao espaço doméstico. Devemos nos afastar dessas ideias.
NET Educação – Qual tipo de comportamento eles reproduziam?
Gina – Para citar exemplos do convívio com os meus alunos, há garotas de 14 anos que se sentem valorizadas por ter um namorado opressor e percebem isso como proteção. Os meninos repetem o discurso de que certas meninas são para casar e outras são para a “pegação”. São situações a serem descontruídas a partir do debate franco e da reflexão. Nesse sentido, nada substituirá a escola no trabalho de ressignificar a percepção que os alunos têm da mulher, porque ela é, sobretudo, a instituição que tem o dever de abordar essa questão de forma laica e isenta.
Com o então ministro da Educação, José Henrique
Paim (Crédito: Isabelle Araújo/MEC)
NET Educação – Você utilizou as redes sociais no projeto. Como foi o feedback dos seus colegas professores?
Gina – A maioria foi favorável, mas houve professores que discordaram do que eu estava fazendo. Percebi que na rede pública de ensino há duas correntes de pensamento. Há um grupo que acredita que o papel da escola é meramente preparar o aluno para a aprovação em vestibulares, e há outro grupo que acredita em uma educação para a cidadania, para o convívio e para a transformação social. Eu compartilho das crenças desse último, o que não exclui preparar para entrada no mundo do trabalho.
NET Educação – Quais questões deveriam ser abordadas do Dia Internacional da Mulher?
Gina – É necessário apresentar a história desse dia. Será que se discute que no Brasil, a cada hora e meia, uma mulher é morta pelo simples fato de ser mulher?  É válido trazer aos debates as questões étnico-raciais, já que as mulheres negras no Brasil são as maiores vítimas de violência. A escola pode pedir que os alunos observem a sua realidade, reflitam no que percebem quanto às relações de gênero. Cultura é algo que não se muda de um dia para o outro, mas não se pode fugir do debate. Também é válido mostrar a Lei Maria da Penha e trazer à tona questões mais atuais, como a violência virtual contra a mulher.
NET Educação – Como surgiu a ideia do projeto “Mulheres Inspiradoras”?
Gina – Propusemos que eles conhecessem a biografia de grandes mulheres que escreveram seus nomes na história do Brasil e do mundo. Selecionei mulheres negras, como Rosa Parques; brancas, como Maria da Penha; jovens, como Anne Frank; idosas como Cora Coralina… A ideia era mostrar que independente de qualquer coisa, as mulheres têm feito tais contribuições relevantes à humanidade.
NET Educação – Como aconteceu o trabalho com os alunos?
Gina – Foi desenvolvido durante todo o ano de 2014. Propusemos a leitura de seis obras de autoria feminina. Eles pesquisaram sobre dez personalidades selecionadas e apresentarem os resultados obtidos para os colegas e para todas as turmas da escola. Em outra etapa, estudaram a biografia de quatro mulheres, que fazem parte da história de Ceilândia, que foram à nossa escola para serem entrevistadas e homenageadas. Outra proposta do projeto foi convidar os alunos a entrevistarem uma mulher do seu círculo social que considerassem inspiradora. Então, organizamos as histórias em um livro intitulado “Mulheres Inspiradoras” que, se conseguirmos o patrocínio, pretendemos publicar ainda este ano.

 

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