No seu primeiro dia como professor de língua portuguesa na rede pública do município de São Paulo, em 2011, Acácio Batista recebeu um conselho inesperado de uma docente veterana sobre como combater a bagunça em sala de aula. “Para se fazer respeitar, já entra na classe colocando os ‘dois pés no peito'”, disse. Ele, porém, optou por fazer o oposto.

“Tento ir para o lado da empatia, que é dialogar, ouvir e me aproximar”, destaca. “Também tenho um cuidado especial na preparação das aulas. Percebi que em uma aula improvisada a indisciplina é maior. A aula preparada constrói um caminho lógico que prende o aluno: ele ouve, para, reflete e percebe o trabalho”, revela.

Assim como Batista, a coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), da Unicamp/Unesp, Luciene Tognetta, também enxerga nas práticas pedagógicas e na humanização das relações os caminhos para driblar a bagunça nas aulas.

“Um bom conceito de indisciplina é o que diz o doutor em educação, Joe Garcia: é a ruptura do contrato social da aprendizagem. Se não tem disciplina, é porque falta uma ‘obediência a uma ordem’. O indisciplinado, ainda que inconscientemente, não almeja aquela ordem para sim. Não a compreende ou não a aceita”, contextualiza.

Para a pesquisadora, o problema está relacionado mais a questões pedagógicas, que entendiam o aluno, do que a psicológicas. “Lidar com isso é, primeiro, rever as próprias estratégias de ensino. Será que estamos dando oportunidades dos estudantes partirem daquilo que sabem? Será que permitimos que pensem? Que as atividades propostas são desafiadoras a ponto de causar uma ‘necessidade’ para eles?”, questiona.

Relações horizontais

De acordo com Tognetta, para vencer a indisciplina, a obediência à autoridade deverá ser substituída por relações de respeito mútuo. E é exatamente isso o que o professor de matemática da rede estadual de São Paulo, Valdenir “Zinho” Silva, busca há 14 anos.

“Eu abandono o rótulo dado pelos demais docentes de que aquele determinado aluno ou aquela sala é um problema. Se for por esse caminho, também vou enxergá-los assim”, pontua. “Procuro tratar a todos pelo nome, inclusive na chamada, rejeitando chamá-los por números”, decreta.

Zinho afirma ainda buscar relacionamentos mais horizontais do que verticais. “Não entro na sala com uma postura de que sou o detentor do conhecimento e que eles nada sabem. Sou um facilitador”, pontua.

Já quanto às suas práticas pedagógicas, ele descobriu que quebrar a rotina das aulas ajuda a manter os alunos atentos. “Às vezes, começo a murmurar coisas baixinho e vejo que eles param para tentar entender. No dia a dia, também tento mudar a ordem de escrita da lousa, escrevendo da esquerda para a direita, ou da chamada. Coisas simples, mas que mudam a estrutura que eles já estão acostumados”, revela.

Foco no afeto

Indisciplina e afetividade também são assuntos que convergem, segundo a coordenadora do Gepem. A bagunça pode ser uma tentativa, por vias tortas, da criança demonstrar sentimentos que a afligem, como raiva e medo. Um exemplo aconteceu com a professora de filosofia do ensino médio da rede estadual de São Paulo, Larissa Hupalo de Oliveira, com uma aluna do segundo ano.

“Ela sempre foi muito bagunceira e nós conversávamos apenas coisas triviais. Um dia, a vi chorando e consegui me aproximar. Ela contou que o pai era viciado em crack e isso causava problemas no seu dia a dia. Ali, compreendi muita coisa”, revela a docente.

Para Tognetta, a indisciplina pode ser vencida quando a criança tem seus sentimentos descritos e respeitados. “Algo como ‘percebo que você está com raiva, mas você vai precisar encontrar outra maneira para demonstrá-la’”, exemplifica. “Enfrentar a bagunça com afetividade não significa tratá-la ‘com carinho’, mas entender que a formação da identidade daquele aluno depende da oportunidade de se expressar e de se fazer compreendido”, ensina. “O exemplo dado pelo professor humaniza e o estudante aprende uma bela lição: de que aspereza se combate com sabedoria e com paciência”, completa.

Os três educadores ouvidos na matéria concordam que nem sempre um tratamento humano é fácil dentro da rotina da sala de aula. “Cada situação é única e, às vezes, aquilo que você imaginou que daria certo falha. Contudo, sempre vale a pena tentar”, garante Batista.

Veja mais:
Indisciplina na aula: veja dez livros para ajudar com o assunto
Vídeo – Indisciplina em sala de aula: o que fazer?

Crédito da imagem: colematt – iStock

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