A USP (Universidade de São Paulo) e o portal de videoaulas, Veduca, lançaram, na última semana, a primeira plataforma de cursos online de nível superior gratuitos da América Latina. “Não tenho a preocupação que será concorrência para cursos formais, [a plataforma] vai complementar. Tende a melhorar a educação como um todo”, avalia o professor-doutor e livre docente em tecnologias interativas pela USP, Romero Tori.

Os dois primeiros cursos oferecidos são os de física básica e o de probabilidade e estatística, no modelo Mooc (Massive Open Online Courses), ou Cursos Online Abertos Massivos), e seguem exemplos de instituições como MIT, Harvard, Princeton e Columbia. A expectativa é que cinco mil estudantes se inscrevam em cada um dos cursos.
Confira abaixo a entrevista com Tori. Ele esclarece diferenças entre cursos presenciais e online, ressalta o impacto do modelo Moocna educação e avalia pontos positivos.
NET Educação – O modelo de aulas pela web, que ganhou mais destaque ano passado por conta da parceria entre a Harvard e o MIT, parece estar chegando com mais força no Brasil. A USP lançou dois cursos nesse formato. Isso veio para ficar?
Romero Tori – Aulas na web temos já há algum tempo, mas em um modelo mais tradicional, que adaptava o modelo da sala convencional para a web, sem muitas mudanças do ponto de vista pedagógico. O fenômeno que começou agora são os cursos para um número grande, massivo de alunos. Isso tem diferença, pois só é possível de ser feito pela web.
Tem uma serie de pontos fortes e realmente vem para ficar. O que propicia isso também é termos uma evolução cultural com relação ao digital. Os nativos digitais acessam conteúdo na web de forma fácil e natural. Se há dúvida, já procuram no Google ou Youtube, acham mais fácil do que esperar a aula e perguntar ao professor. Se não fosse agora, em algum momento seria feito essa descoberta. As pessoas estão preparadas para isso.
NET Educação – No que as aulas em vídeo na internet diferem do Telecurso 2000?
Tori – Legal essa comparação. Eu gostava muito do Telecurso, o problema era o horário, às 6h. Achava uma produção muito bem feita, conteúdos contextualizados, com roteiro bem elaborado e presença de assessoria pedagógica. Já muitos vídeos como Khan Academy não são tão bons como do Telecurso. São precários, apenas o professor falando com um giz de lousa. Será que a Khan Academy é o velho travestido de novo? Falo disso no meu blog. Bem centrado no expositivo, conteudista, com exercícios comportamentalistas, tem características de antiquados.
Mas apesar de tudo isso, é uma coisa totalmente diferente, pelo fato de estar na web, online e o aluno poder acessar, voltar, ir para frente, repetir, conversar com uma pessoa sobre a aula, relacionar com outros conteúdos na internet. Ou seja, a interatividade supera o vídeo em si, disponível a qualquer instante. É uma nova linguagem e está mostrando que dá certo.
NET Educação – Quais são os pontos fortes que você citou?
Tori – Primeiro que é mais auto-instrucional, bem baseado em vídeos de aula, mas a pessoa dita seu ritmo e o aluno que vai ser mais ativo no processo e, por isso, acaba se envolvendo mais. Material multimídia, baseado na interatividade, mantem a pessoa motivada. Com a cooperação, por meio de fóruns online, reduz a necessidade do tutor, que é o que encarece um curso.
Outro recurso que os Moocs têm lançado mão são os jogos, que tem metas, pontuações, o que motiva também. O aluno quer ver o seu desempenho e competir consigo mesmo. A “gameficação” é uma forma de atrair mais o aluno. Ainda, o fato de poder ter aula com professores de grandes universidades também estimula. Apesar de ser mais difícil tirar dúvidas diretamente com o professor, tem-se a aprendizagem em rede, colaborativa, com maior interação aluno-aluno.
NET Educação – Qual é o impacto que cursos online desse tipo podem ter na educação?
Tori – Prevíamos isso há algum tempo e agora finalmente começa a acontecer. Mas o impacto não é acabar com os cursos presenciais. Difícil prever todos, mas um deles é que cada vez alunos vão ter menos paciência para aulas expositivas tradicionais. Aulas expositivas tentam atender a um perfil mediano de aluno e acabam por não agradar ninguém.
NET Educação – Qual seria a melhor forma de utilização?
Tori – À medida que temos um espaço para cada um, podemos ter o conceito da aula invertida: antes alunos assistiam em sala e faziam exercícios em casa. Agora, podem assistir aulas em casa [em meio online] e fazer exercícios e tirar dúvidas em sala de aula. Então, muda o conceito de dar aula. Não tenho a preocupação que será concorrência para cursos formais, vai complementar. Tende a melhorar educação como um todo. Não podemos nos basear em uma coisa ou na outra. Tudo tem que conviver.
NET Educação – É possível mensurar o ganho no aprendizado com esse tipo de modelo?
Tori – É possível mensurar, mas ainda não temos dados. Por ser online, consegue-se ter mais facilidades de avaliação. Possibilidade de capturar todos os movimentos dos alunos: que exercícios erram e acertam, onde têm dúvidas e o que funciona mais. Então, pode-se realimentar uma plataforma e fazer melhorias no conteúdo. Pode haver acompanhamento individualizado com  retorno imediato ao estudantes. Os cursos massivos viabilizam o conceito learning analytics, que possibilita extrair informações úteis a partir de uma massa de informação,não só os alunos, mas de todo o curso. Certamente muitos estudos virão.
Outra coisa é que mídia, como o nome diz, é apenas meio e, portanto, não consegue por si só melhorar alguma coisa. Temos que tomar cuidado quando se diz que realidade virtual ou Mooc ou outra mídia qualquer, vai aumentar o aprendizado. O mérito da mídia pode ser por eventuais ganhos de produtividade, na viabilização, no barateamento, na possibilidade de massificar. Mas o mérito pela aprendizagem é sempre do método pedagógico utilizado
NET Educação – O que as escolas devem fazer para atuar dentro dessa nova realidade em que tecnologias digitais passam a fazer parte do processo pedagógico?
Tori – Se a escola tiver um bom acesso à internet, nem os laboratórios de informática são mais tão necessários. É interessante a escola incentivar o uso de dispositivos móveis em aulaÉ interessante a escola incentivar o uso de dispositivos móveis em aula. A escola precisa entender que não importa se o curso é presencial ou a distância, a tecnologia tem que ser trabalhada em todas as instâncias. Não adianta pensar que vai tirar o lugar do professor. Temos que trabalhar com isso e não contra isso.

 

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