Homologadas pelo Ministério da Educação (MEC) em dezembro de 2018, as novas diretrizes curriculares nacionais do ensino médio estipulam que até 20% dessa etapa podem ser via EaD no período diurno e 30% no noturno. A regularização da oferta e sua aplicação, contudo, caberão aos conselhos de educação de cada estado.

Para pesquisadores da área de ensino médio, educação e trabalho, a medida não resolve os problemas da etapa, pode precarizar a educação das camadas mais pobres da população e agravar desigualdades sociais.

“O modelo foi defendido como forma de flexibilizar o processo de aprendizagem do aluno. Na rede pública estão, principalmente, os filhos da classe trabalhadora empobrecida, que não terão equipamentos adequados nem autonomia para estudar em casa. Ou seja, a realidade econômica os impedirá”, contextualiza o pesquisador da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Dante Henrique Moura. “Se a saída for instalar polos de vídeo aula nas escolas, essa flexibilização deixa de existir. O aluno continua indo à aula, mas agora com a eliminação da figura do docente”, ressalta.

Opinião semelhante possui a professora da pós-graduação de educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Maria Ciavatta. “A questão não é a EaD em si, que é boa como outras tecnologias e pode ter aplicação em lugares distantes, onde o Estado, por inércia ou opção, não garante boas escolas para a população, o que significa qualidade de instalações, equipamentos, professores preparados e remunerados”, destaca.

“Mas é preciso falar aqui sobre o papel do educador na educação. Jovens e adolescentes estão em uma fase de formação importante para a entrada na vida adulta. Num mundo repleto de informações, esse profissional é um interlocutor qualificado para a discussão dos grandes problemas da humanidade e do cotidiano, apoiado nos conhecimentos específicos de sua área de formação.”

De acordo com Ciavatta, a medida pode favorecer a formação de um estudante com pouco senso crítico. “Dá para acreditar que um adolescente estudará sozinho, no celular ou computador até 200 horas anuais? Que o estudo seja mais forte que os estímulos dos jogos e mensagens? É de se prever o crescimento da informação fragmentada e acrítica”.

Para Moura, a EaD no ensino médio ainda prejudica a socialização dos alunos com seus professores e pares – também entendida como parte do processo formativo. “Essa medida não compreende a educação como prática social, mas como mera transmissão de conhecimento. O jovem em contato com outras pessoas conhece opiniões diferentes, outras culturas”.

Mobilidade social barrada

O ensino médio no Brasil tem sido foco de políticas do MEC. Além das novas diretrizes curriculares, houve a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da etapa e sua reforma. Esta última, reduziu a carga horária de conhecimentos gerais, instalou itinerários formativos e restringiu a obrigatoriedade de disciplinas de ciências da natureza, humanas e sociais. Para Moura, o trio de medidas radicalizará a diferença entre a formação na rede privada e pública.

“Os vestibulares continuarão cobrando conhecimentos gerais e uma formação integral não ofertada pela escola pública. Ao filho do trabalhador, haverá o impedimento da entrada no ensino superior e a melhores cargos no futuro”, explica. “É uma lógica perversa: há poucos postos que exigem qualificação no mercado de trabalho.  Para a massa, continuará sendo oferecida uma baixa qualificação que não a permitirá ascender socialmente. Nesse sentido, você não apenas perpetua como amplia as desigualdades sociais”, opina.

“O ensino médio propicia melhores empregos, acesso ao ensino superior e mobilidade social – que é a grande questão subjacente às reformas aplicadas. Essa etapa de ensino nunca foi problema para os filhos das classes médias e ricas, mas dos pobres que necessitam de um ensino público que lhes é negado, pela falta de escolas e baixa qualidade da oferta”, reforça Ciavatta.

Transferência de recursos

Um mapeamento do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (Greppe), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apontou um crescimento da participação da iniciativa privada nas redes de educação estaduais entre 2005 e 2015. Para Moura, a aprovação do ensino médio EaD também abre portas para a transferência de recursos públicos para empresas, que deverão ser contratadas para desenvolver materiais na modalidade.

“A empresa privada tem seu espaço na sociedade plural, mas o Estado recolhe impostos dos contribuintes e lhes deve o retorno na forma de serviços básicos de educação. A privatização é a desresponsabilização do Estado”, aponta Ciavatta.

Potencialidades

Diretor da Associação Brasileira de Ensino à Distância (Abed), Stavros Panagiotis Xanthopoylos vê com bons olhos a aprovação da modalidade no ensino médio. “Considero a medida tímida. O ensino híbrido é tendência e defini-lo em porcentagem limita seu potencial”, analisa. “O estudante terá que ler mais, escrever mais e trabalhar mais em equipe. Terá que se organizar da mesma forma que organiza suas redes sociais.”

Para o empresário, a medida pode garantir um avanço na qualidade da educação. “É melhor que o livro didático. O que acontece na aula do professor só Deus e ele sabem. A EaD garante um controle de qualidade e ainda pode ajudar a formar o professor na ponta”, defende. “Diminui a quantidade de professores mas tem ganho em escala”, acrescenta.

Por outro lado, Xanthopoylos concorda que a falta de infraestrutura como rede de internet e equipamentos eletrônicos pelos alunos de baixa renda e escolas podem ser empecilhos ao modelo.

Veja mais:
BNCC do ensino médio negligencia pensamento crítico do aluno, apontam educadores
“Baixa criticidade do mundo empresarial está nos currículos escolares”, diz socióloga
Apesar de modelo promissor, formação em EaD é precarizada

Crédito da imagem: Somnath_DC – iStock

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