De líderes quilombolas a escritoras, diversas mulheres negras brasileiras foram responsáveis por lutar contra desigualdades e ajudar na construção de uma sociedade mais democrática. Contudo, suas biografias não são facilmente encontradas nos livros – um erro histórico que começa a ser reparado com “Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis”, da escritora Jarid Arraes.

“Quando percebi que nunca havia aprendido sobre essas mulheres, passei a pesquisá-las sozinha. Comecei por Dandara dos Palmares e fiquei fascinada pelas líderes quilombolas que lutaram em batalhas reais contra a escravidão”, relata a autora. “Reconhecê-las é uma forma de combater o racismo e o machismo e construir um país com equidade e diversidade nas diversas áreas do conhecimento”, afirma. Confira, a seguir, a entrevista completa com a autora.
Por que mulheres negras ainda não são devidamente reconhecidas por seu papel histórico?
Jarid Arraes: Historicamente, homens brancos tiverem acesso à educação e controle sobre a escrita, sobre a prática de registrar e contar a História. Essa perspectiva refletiu nas figuras notáveis que foram escolhidas e propagadas nos livros, documentos oficiais, mídia e na literatura. Como sociedade, viemos de uma história em que a escravidão de pessoas negras foi considerada algo permitido, baseado na ideia racista de que a pessoa negra era inferior e menos capaz do que a pessoa branca. Então, é lógico que as pessoas negras, principalmente as mulheres, ficariam de foras dos registros e reconhecimentos. Até hoje arrastamos esse racismo e machismo vivo na nossa cultura. O fato de que grandes mulheres negras da nossa História ainda ficam esquecidas nas escolas é uma evidência disso.
Qual a consequência dessa exclusão?
Jarid Arraes: É como se aprendêssemos que somente homens brancos tiveram capacidade e coragem para lutar por direitos, conquistar coisas, descobrir, escrever e desbravar. Na verdade, muitas mulheres negras também foram líderes, escritoras, jornalistas e guerreiras e, também por causa delas, hoje temos mais direitos e uma sociedade menos injusta. Reconhecê-las e estudar sobre elas é uma forma de combater o racismo e o machismo e construir um país com equidade e diversidade nas diversas áreas do conhecimento. Não estudá-las na escola é negar ao nosso povo um pedaço muito importante das nossas origens.
Por que a escolha pelo cordel como forma de contar as histórias?
Jarid Arraes: O cordel é uma ferramenta incrível para espalhar mensagens. É barato, acessível, e divertido de ler – especialmente em grupo. Cresci lendo os cordéis do meu avô e do meu pai, que são cordelistas, e com eles aprendi sobre a importância da literatura de cordel, não só no quesito literário, da rima e do ritmo que possui, mas também sobre como pode ser útil e didático.
Por que é importante que as escolas resgatem essas biografias?
Jarid Arraes: Se dessas mulheres negras foi exigido que fossem heroínas, é porque existiam injustiças contra as quais tiveram que lutar. Precisamos falar sobre essas injustiças, sobre como o racismo e o machismo ainda criam desigualdades e violências no presente. E por causa dessas heroínas, das líderes quilombolas contra a escravidão, que hoje uma mulher negra como eu pode escrever e publicar também, mesmo com os desafios que ainda existem. Também é fundamental enfrentarmos os equívocos que foram ensinados. Aprendi na escola que os índios não se conformavam ou adaptavam a escravidão e por isso acabaram mortos em massa, mas que os negros não lutaram e se deixavam escravizar. Só adulta descobri que isso é mentira, que a população negra lutou, construiu quilombos e verdadeiros exércitos, e muitos foram liderados por mulheres. Tereza de Benguela, Mariana Crioula e Zacimba Gaba são provas disso.
Como a escola pode se apropriar desse material?
Jarid Arraes: Recebo muitos depoimentos de atividades escolares que utilizam meus cordéis e livros. Acho maravilhoso que eles sejam usados nas aulas de História, até porque narro a vida de mulheres de períodos históricos diferentes. Também dá para inserir esse material em aulas de literatura, falando sobre rima e poesia. Já vi trabalhos de professores que usaram os cordéis em aulas de música, de teatro e em apresentações culturais nas escolas.
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