As histórias infantojuvenis nos ensinam que, quando um gênio sai da garrafa, a melhor atitude é a reflexão, prudência a respeito de nossas ações e desejos. Creio que o “gênio” é uma boa metáfora para as situações em que a mídia coloca em evidência, de maneira inesperada, determinada temática social. Isso, geralmente, instaura dilemas para pais, professores e responsáveis por crianças e jovens.

É isso que parece ocorrer no caso da série “13 Reasons Why”, produzida pela Netflix. De repente, o suicídio juvenil, e outras questões complexas, como o bullying e a violência sexual, saem da sombra. Especialistas, assim como pessoas implicadas em casos que remetem as essas temáticas, dão opiniões, nem sempre consensuais. E a própria obra que iniciou a discussão passa a ser alvo de escrutínio. Os prós e contras da abordagem, os supostos erros ou acertos do desenvolvimento dramático da série e os paralelos com outras situações são discutidos ou lembrados – essa matéria do Jornal do Campus exemplifica isso. Nosso vocabulário se amplia, de modo que, por exemplo, termos como “efeito Werther” ou “copycat effect” (efeito de imitação) tornam-se conhecidos pelos que acompanham a discussão. Ambas as noções remetem à ideia de que determinada mensagem midiática pode induzir certo tipo de comportamento nas pessoas, no caso do “efeito Werther”, em relação ao suicídio.
Essa perspectiva é similar às primeiras teorias funcionalistas da comunicação, que enfatizavam o poder da mídia para produzir efeitos comportamentais. Porém, essa vertente sofreu desenvolvimentos, nos quais os “efeitos” da mídia foram continuamente relativizados. De fato, como nota Contardo Calligaris (em artigo disponível para assinantes da Folha de S.Paulo, aqui), uma pesquisa sobre o “efeito Werther” concluiu afinal que, se ele existe, é mínimo.
Exatamente por isso, as teorias funcionalistas deslocaram o “poder da mídia” de sua suposta capacidade de influência direta para, mais propriamente, colocar em pauta o que a sociedade discute. A formulação “a mídia não diz o que se deve pensar, mas diz sobre o que pensar” resume a proposta. Não se trata de negar possíveis efeitos sociais, pois existe uma relação dialética entre reflexão e práxis, no entanto, a complexidade da questão é destacada.
Como todos que já passaram pela experiência de assistir a uma comédia num dia particularmente triste percebem, os efeitos da mídia dependem das disposições e estados de ânimo do receptor. Mas, é claro, não somente isso: o repertório cultural prévio, os interesses da pessoa, suas experiências e conhecimento sobre o tema abordado, o lugar que a obra ocupa ou ocupará em seu círculo social são alguns dos fatores relacionados à “efetividade” de uma mensagem. Enfim, a cadeia de eventos que pode levar uma pessoa a ser influenciada pela mídia é bastante ampla e se situa geralmente num tempo cumulativo de experiências relacionadas à mensagem.
Essas considerações ajudam a afastar o “pânico moral” relacionado a obras como “13 Reasons Why”, mas também acentuam a responsabilidade de pais e educadores em relação à abordagem de temáticas difíceis ou polêmicas que a mídia pode colocar em circulação, principalmente quando as mensagens despertam o interesse dos jovens. Nesse caso, o gênio saiu da garrafa e ignorar esse fato pode representar uma omissão. Em outras palavras, pais e educadores, se julgarem necessário, a partir de avaliação cautelosa, devem também conhecer a mensagem e procurar orientar os jovens a respeito dela.
Do ponto de vista específico da educação midiática, uma observação relevante trazida por ela é quanto à possibilidade de salientar para as crianças e jovens que as representações elaboradas pelos meios de comunicação não são a realidade. Elas são recortes, “manipulações”, mostram possibilidades que não substituem o livre arbítrio de ninguém. Mas, entre esse posicionamento geral e possíveis diretrizes de ação específicas, existe a necessidade dos educadores buscarem conhecimentos e informações para lidarem com o tema, em possíveis ações pedagógicas. Isso demonstra como o campo da educação relacionada à mídia, muitas vezes, é profundamente interdisciplinar, dependendo do diálogo com os saberes de áreas como a psicologia, as ciências da saúde, direitos humanos, etc.
Numa contribuição a essa perspectiva, gostaria de recomendar dois materiais elaborados por um grupo norte-americano de prevenção ao suicídio juvenil: um breve guia de apoio para pessoas que pretendem assistir à série (em inglês, aqui) e um conjunto de pontos de apoio à recepção e ao debate da mesma (em espanhol, aqui).

O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.

Autor Richard Romancini

Richard é doutor em Comunicação, pesquisador e professor do curso de pós-graduação lato-sensu em Educomunicação da ECA-USP.

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