Sou um ferrenho defensor da diversificação curricular no Ensino Básico. Sempre pensei que uma escola que ensine a partir da riqueza do mundo e da cultura seja mais interessante do que uma escola que se pauta primordialmente por parâmetros curriculares exigidos por concursos vestibulares. A exploração e a diversidade das ligações da realidade que nos cerca são tamanhas que dão conta da real formação do jovem. São capazes de oferecer aquilo a que a escola realmente deve se propor: formar para a vida.

Mas como formar para a vida se não exploramos uma dimensão tão importante como a economia em nossos currículos escolares? Será que não importa a um jovem que já é possuidor de um cartão de crédito saber o que é uma taxa de juros e como ela é cobrada? Será que ele não deve saber como comparar diversas taxas de investimento? Spread bancário, recessão, especulação imobiliária, atualização monetária, inflação, previdência são termos tão constantes no noticiário e, ao mesmo tempo, tão distantes de nossos estudantes. Ainda mais em um momento de crise econômica, em que estamos mergulhados, me parece muito relevante falar sobre economia. Bem, o cinema pode ser um ótimo parceiro nesse sentido.
Eis que surge um dos poucos filmes brasileiros sobre economia: Real: O plano por trás da história (2017). O filme é baseado no livro “3.000 dias no Bunker” de Ricardo Fiuza, que faz uma narrativa, recheada de chicanas e pequenas reviravoltas, sobre a criação do plano de estabilização da moeda brasileira na década de 1990. Para quem viveu antes da segunda metade dos anos noventa, os termos hiperinflação, reindexação, tabelamento de preços e corte de zeros não soam como vocábulos da literatura fantástica ou da economia das universidades. São reais e estão na memória. Mas para nossos alunos tais termos são pouco ou nada relevantes. O filme é, portanto, uma ótima oportunidade para introduzir conceitos básicos da teoria econômica. A busca pela estabilidade cambial, a recessão, a fuga de investimentos, tudo está lá e permite estabelecer comparações com o momento atual, caminho de múltiplos itinerários.
Mas há também muitas outras opções de filmes, no mesmo formato, feitos em Hollywood. A crise de 2008, por exemplo, possui duas referências que guardam essa semelhança de suspense eletrizante (o famoso thriller): Margin Call – O dia antes do fim (2011) e A grande aposta (2015). No primeiro, a narrativa se desenvolve nos momentos imediatamente anteriores à quebra do mercado financeiro e tem como foco principal o processo de decisão de seus operadores. Filmado em um clima um pouco noir (com um jogo entre a luz fria dos escritórios e os vazios escurecidos), a gravíssima crise financeira é prevista e anunciada por um jovem analista que vê, aos poucos, que o desastre ocorreria independentemente de sua vontade. No segundo, uma narrativa um pouco mais leve e até divertida fala sobre o grupo de pessoas que realmente exploraram a crise. Com personagens marcantes e momentos hilários de didatismo, o filme se equilibra em ótimas atuações frente à complexidade da bolha imobiliária.
Nesses filmes é possível trabalhar os conceitos de mercado imobiliário, fundos de investimento, risco e garantia. Penso sempre que uma sessão de cinema com um convidado que opere o mercado ou mesmo um engajado professor de Matemática seja um caminho muito interessante para trabalhar as questões econômicas.
Sobre o tema da economia de mercado, o filme que talvez tenha marcado de forma mais forte o cinema tenha sido Wall Street – poder e cobiça (1987). Juntamente ao clima dos anos 80, é possível perceber as ligações tão intrincadas entre economia e psicologia, ação e caráter, mercado e traição. É possível discutir, por exemplo, se a ética tem valor na economia e como esta pode ser abalada quando os desvios morais ocorrem. A sequência do filme, Wall Street – o dinheiro nunca dorme (2010), tem as mesmas virtudes do primeiro, possui um formato bastante típico dos filmes da indústria do entretenimento (não espere muitas novidades em termos de reviravoltas, finais e uma boa dose de maniqueísmo romântico) e ótimas cenas de referência ao filme original. Mas também tem uma trama bastante interessante para discutir a ética na economia.
Já no ramo dos documentários, podemos trazer dois filmes com abordagens diversas. Antes de passa-los aos alunos é necessário, contudo, discutir um pouco a noção de autoria documental. Não é novidade que o documentário constitui, em regra, um argumento. Significa dizer que ele possui premissas (que são as informações, os entrevistados, as imagens) que são ordenadas para chegar a uma conclusão que revela uma crítica. Assim, é necessário desconstituir um pouco a ideia de ‘verdade’, vez que as mentes jovens muitas vezes tomam a opinião pelo fato, esquecendo que a seleção das premissas é, antes de qualquer outra coisa, uma seleção pessoal.
De toda forma, o divertido Capitalismo, uma história de amor (2009), de Michael Moore, é uma pedida que costuma agradar a audiência pela sua linguagem, sua ousadia e, obviamente, pelas impagáveis saias justas nas quais o documentarista reiteradamente coloca seus entrevistados. De outro lado, propondo uma certa objetividade, o documentário Trabalho Interno (2010) tem o mérito de trazer para o debate economistas e professores que buscarão explicar a crise, o que não o isenta de uma posição sobre o tema (que isso fique bem claro).
O que se percebe é que há uma vasta possibilidade de diálogos e veredas. Planejar uma sequência didática sobre as crises econômicas, na qual conteúdos específicos da introdução à economia fossem explorados e que tivesse como ponto alto um momento de cineclube, me parece uma rica e interessante proposta para a diversificação do ensino e a contextualização da escola no universo de nossos alunos.

O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.

Autor Ricardo A. B. Lourenço

Ricardo Lourenço é bacharel em Direito, licenciado em Filosofia e mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Atua como professor de Educação para as Mídias e Filosofia para o ensino médio, e trabalha com a difusão de cineclubes em escolas.

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