É com muito orgulho que me despeço da coluna Educacine, aqui no portal NET Educação. Foi um imenso prazer poder utilizar um espaço tão rico e generoso em termos de suporte à educação brasileira. É bom saber que ainda há oásis profícuos para pensar a atividade educativa de forma livre, diversificada e criativa. A proposta de discutir cinema com educadores foi um desafio único e enriquecedor.
O cinema entra nas nossas vidas de forma misteriosa e ocasional. No meu caso, ele chamou atenção por conta de uma estranha coincidência: meu pai comprou um videocassete na mesma semana em que ganhamos outro igual de um parente. E não sei o porquê, ainda no início dos anos 90, com cerca de dez anos de idade, passei a copiar fitas VHS para meu consumo próprio, utilizando os dois aparelhos em conectados.
Quando alugava um filme do qual gostava, colocava uma fita para gravação no outro aparelho e copiava o filme, tascando uma etiqueta bonita de identificação. Em pouco mais de dois anos cheguei a algumas boas dezenas de fitas (nunca mais as vi, nem sei bem quantas eram). E foi então que tive a primeira crise: eu não tinha dinheiro para comprar fitas suficientes. Era necessário selecionar os filmes, pensando em suas qualidades, para decidir quais eu realmente gostaria de ver novamente. Afinal, por que gravar um filme que não é bom?
Lembro-me muito bem de manter gravados Dança com Lobos (1990) e O último dos Moicanos (1992), apesar de não ter a dimensão do processo de colonização da América. Eu gostava da trama dos filmes, da trinca amor-guerra-destino do continente que conduzem ambas as narrativas. Mas estava lá o início de uma paixão por discussões sobre a finalidade do cinema, seu papel como documento ou narrativa da história, suas possibilidades de duração e de beleza visual e sonora.
Outros filmes que ficaram gravados foram Fogo contra Fogo (1995), Cassino (1995) e, por indicação da atendente da locadora (algo que já não existe mais), Scarface (1983). Filmes violentos, mas marcados por atuações refinadas de Robert de Niro e Al Pacino – uma dupla da qual tento jamais me afastar. Foi com esses filmes que passei a pensar na dinâmica das personagens e de como há um certo “arco narrativo” que empurra o filme. Foi também por esses filmes que acabei de vez com a mania infantil do maniqueísmo bem contra o mal, já que os personagens mais intrigantes e interessantes eram vilões descarados.
A Rosa Púrpura do Cairo (1985), Crimes e Pecados (1989) e Tiros na Brodway (1994) foram filmes de Woody Allen importantes na minha coleção. Foi por meio deles que comecei a entender que há uma autoria nos filmes, um tipo de continuidade que permite identificar características estéticas na cinefilia, por meio de seus diretores, roteiristas, atores etc. Só fui entender isso anos depois, ao estudar um pouco mais da teoria do cinema e de como tal arte se consolidou no mundo.
Mas por que tais lembranças interessam nesta última coluna? A resposta está nas diversificadas estratégias de encantamento que o cinema pode promover. Otimista em relação às possibilidades da educação, tenho a impressão de que não dominamos os efeitos de nossos estímulos a nossos alunos. Um trailer, uma discussão sobre um aspecto do cinema, uma indicação cinematográfica…
Qualquer coisa pode levar um jovem a aprofundar seu desejo de saber mais, por qualquer área que seja. Não tenho a noção exata de quantos jovens passaram a ver o mundo de forma diferente por conta de um cineclube que eu tenha promovido ou um filme que eu tenha comentado em aula. Mas a mera possibilidade de ter sido a via de acesso para o universo do cinema já me deixa repleto de satisfação.
Tenho a plena convicção que o papel do educador é exatamente esse: uma certa curadoria daquilo que pode ser relevante para o crescimento de nossos jovens. Espero que esse ano de colunas tenha permitido alguns caminhos para tais diálogos e que, eventualmente, alguns educadores possam ter o privilégio que eu tive, de educar por meio daquilo que me educou.
Vejam mais filmes, cultuem mais o cinema como arte e estejam abertos a novos diálogos sobre cinema e educação. Vida longa às iniciativas que estimulam tais conversações. São meus votos de agradecimento e despedida.

O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.

Autor Ricardo A. B. Lourenço

Ricardo Lourenço é bacharel em Direito, licenciado em Filosofia e mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Atua como professor de Educação para as Mídias e Filosofia para o ensino médio, e trabalha com a difusão de cineclubes em escolas.

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