A peça Quando Quebra Queima, criada por estudantes que participaram das ocupações das escolas paulistas, entre 2015 e 2016, tem sido apresentada em diferentes espaços da cidade de São Paulo (SP). Em alguns fins de semana de junho deste ano, ela foi encenada no Teatro Oficina. O caráter libertário desse teatro era bem adequado a um espetáculo que busca rememorar a resistência juvenil das ocupações.

Rememorar, relembrar, repensar, refletir são verbos adequados para descrever o provável interesse de muitas pessoas que foram ver a peça, bem como dos próprios realizadores. O significado (ou significados) do fenômeno das ocupações escolares ainda está longe de ser esgotado. A peça marca, então, um encontro da arte com a mobilização social, com a possibilidade de lançar mais algumas luzes sobre os eventos que alguns chamam de “primavera estudantil”.

Os movimentos sociais e as produções artísticas possuem uma característica parecida: são fenômenos fundamentalmente simbólicos, precisam ser interpretados pelas pessoas. Além disso, a arte possui inevitáveis contornos políticos – até mesmo quando opta pelo descompromisso e pela evasão – e os protestos possuem dimensão estética. Daí, as confluências desses âmbitos.

Falando nas interpretações do significado das ocupações, podemos pensar que o movimento esteve, sobretudo, relacionado à cidadania, na luta pelo direito a uma educação de qualidade. Assim, a contrariedade em relação ao fechamento de instituições de ensino, que poderia provocar superlotação de classes escolares, justificou as ações dos secundaristas. E, de fato, quando o governador de São Paulo cancelou essa medida, as ocupações começaram a refluir.

Porém, ao ver a peça e relembrar as diferentes performances de resistência (cantos, marchas, palavras de ordem, cartazes, vídeos, memes e GIFs, entre outros) dos jovens, é possível pensar numa multiplicidade de fatores (não necessariamente congruentes ou articulados) de mobilização. Entretanto, vale destacar, em todos eles, um elemento no qual a peça parece apostar: a emoção. É claro que esse sentimento é inerente à arte, porém, a dramaturgia adotada em Quando Quebra Queima privilegia o sensorial, sem muitas preocupações explicativas (para quem não estava familiarizado com a causa, vários momentos devem ter parecido obscuros) ou de produzir uma reflexão linear, com o fim de fornecer uma “moral” ao espectador.

Mas não foi assim também na vida real, ou seja, não sabemos exatamente qual é a “moral da história” das ocupações? Voltando à questão da emoção, é interessante notar que hoje os estudiosos dos movimentos sociais têm voltado a enfatizar essa dimensão nos processos de luta social. “A indignação, uma emoção que combina a raiva com o ultraje moral, é o coração do protesto, o primeiro sinal de que sentimos que há algo errado no mundo que deve ser consertado. E ela também nos dá a energia para fazer isso”, escreve James M. Jasper, em seu livro Protest (Polity, 2014).

Emocionar-se, sentir engajado num processo de mudança que vale a pena e é significativo, dá sentido à vida. Provavelmente, é por isso que tantos jovens guardam boa memória do processo de ocupações escolares, enquanto outros talvez sonhem em viver experiências parecidas.

Assim, concluindo esse texto, é válido deixar uma indagação em aberto: qual o papel da emoção e do engajamento no mundo dos processos educativos dos dias de hoje?

Participantes das ocupações durante apresentação da peça Quando Quebra Queima (crédito: Fernando Castilho)

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Autor Richard Romancini

Richard é doutor em Comunicação, pesquisador e professor do curso de pós-graduação lato-sensu em Educomunicação da ECA-USP.

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