O uso de vouchers na educação tem sido debatido recentemente como uma possibilidade para o ensino brasileiro. No modelo, cheques escolares seriam dados pelo Estado para os pais pagarem as escolas dos seus filhos – religiosa, privada ou pública (administrada pelo Estado, mas com cobrança de mensalidade).

Para analisar a proposta, o Instituto Claro convidou o professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luiz Carlos de Freitas, e a coordenadora do Grupo de Trabalho “Estado e Política Educacional” da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Theresa Adrião.

Confira, a seguir, a análise dos especialistas sobre o tema:

O que são os vouchers?

Luiz Carlos de Freitas: Os vouchers foram formulados por Milton Friedman, um neoliberal de Chicago (USA), em 1955. A ideia é dar um valor em dinheiro por meio de um cheque escolar para o pai escolher e pagar a instituição de ensino de seu filho. Os responsáveis pela criança recebem o dinheiro e o direcionam para a escola que pretendem – religiosa, privada ou pública (administrada pelo Estado, mas com cobrança de mensalidade). A tese é que, se você criar um mercado educacional e colocar escolas, professores e estudantes em um processo de concorrência, a educação melhora. Para estes, a qualidade do ensino é produto do livre mercado concorrencial.

Theresa Adrião: Eles funcionam com o repasse de um valor-aluno por ano às famílias que, por sua vez, é utilizado para pagar as mensalidades escolares. Trata-se de uma modalidade de financiamento público à oferta educacional privada, alicerçada no discurso de que cabe ao núcleo familiar a escolha pela escola e, ao Estado, a simples tarefa de subsidiar esta decisão.

Por que alguns países optaram por esse modelo?

Freitas: Depende de cada país, mas, em geral, estas opções são motivadas por uma forma de pensar que se constitui juntamente com o desenvolvimento das políticas neoliberais, nas quais se enfatiza o papel do mercado na geração da qualidade. Neste pensamento, retirar as atividades do Estado e inseri-las no mercado é a base para que elas sejam executadas com mais qualidade, eficiência e economia. A tese, entretanto, no que diz respeito à educação e saúde, ainda precisa ser comprovada, pois os países que seguiram este caminho não se beneficiaram da proclamada melhoria.

Adrião: Não tenho condições de afirmar se existe algum país, com exceção do Chile, que adote o modelo tal como concebido e defendido por aqui. No caso da Irlanda, por exemplo, as escolas, que recebem o subsídio estatal, são todas sem fins de lucro, são confessionais [pertencente a igrejas ou confissões religiosas], e a resistência a ter uma unidade escolar única estatal relaciona-se com sua história de luta contra a dominação pela Inglaterra. A existência de escolas com fins de lucro é completamente marginal e, ainda assim, a desigualdade no atendimento é percebida pela desigual oferta disponível em cada distrito e as limitações (locomoção, jornada de trabalho etc), ao invés das famílias de fato “escolherem” o que desejam para seus filhos.

Quais os resultados educacionais em países que adotaram a medida, como Chile e EUA?

Freitas: O principal impacto é que, além de não melhorar a qualidade da educação, elas aumentam a segregação escolar por nível sócio econômico e etnia. Além disso, consistem em políticas que permitem que escolas religiosas, valendo-se da escolha dos pais, acessem recursos públicos.

Adrião: O Chile foi um exemplo de que o modelo é equivocado, a ponto de ter que instituir, nos anos 2000, a autorização para que as escolas cobrassem das famílias mensalidades adicionais ao que o Estado repassava por aluno. Nos Estados Unidos o modelo não é generalizado. Em alguns estados, os vouchers estão associados à introdução da educação domiciliar.

Caso implementado, o que mudaria, na prática, na educação do país?

Freitas: Aconteceria o mesmo que no Chile e Estados Unidos: não há melhoria na qualidade da educação, destrói-se o sistema público, amplia-se a segregação escolar e social. A liberdade de escolha das famílias é uma falácia. No Chile, não é o pai que escolhe a escola, mas ela que escolhe o pai, a partir da mensalidade que cobra. Quem só tem o voucher e não pode complementar com dinheiro próprio, tem que colocar os filhos nas piores unidades escolares. Para colocar em uma instituição privatizada ou terceirizada melhor, tem que colocar dinheiro do bolso. Como é a escola que fixa o valor da mensalidade, é ela que escolhe que tipo de pai quer ter como cliente.

Adrião: se nos apoiarmos nas experiências de convênios para a oferta da educação infantil, que se generalizaram pós-Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), os estudos mostram a precarização do trabalho dos profissionais da área, a diminuição dos salários, a falta de condições de funcionamento dos estabelecimentos etc. Nos casos em que co-habitam estudantes “conveniados” e estudantes pagantes, observou-se tratamentos desiguais. Por fim, vale lembrar que as condições objetivas de oferta da educação básica variam imensamente, tendo em vista as desigualdades entre os estados e municípios, de forma que os efeitos certamente serão mais danosos para as regiões mais pobres.

Politicamente, quais as probabilidades do modelo ser implementado no Brasil?

Freitas: Alta, pois conta com apoio do [ministro da Economia] Paulo Guedes, formado na filosofia de Friedman, e consta no programa do Partido Social Liberal (PSL).

Adrião: Temos fortes mecanismos na adoção desse modelo: interesses das corporações nos recursos do Fundeb e orientações retrógradas, no sentido de conferir às famílias a falsa sensação da escolha da escola.

Veja mais:
“Adoção” de escolas públicas por Igreja, PM e empresas mascara falta de investimento do Estado
Livro online mapeia e caracteriza tendências de privatização nas redes estaduais e do DF

Crédito da imagem: monkeybusinessimages – iStock

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