O Ministério da Educação (MEC) apresentou, em dezembro de 2018, a Base Nacional Comum da Formação de Professores da Educação Básica (BNCFP) – documento que orientará os cursos de licenciatura e de pedagogia das universidades e faculdades brasileiras. O texto foi encaminhado ao Conselho Nacional de Educação (CNE) para discussões antes de ser aprovado.

A BNCFP prevê competências voltadas à prática docente, tomando como parâmetro a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da educação básica e as dez habilidades centrais do documento. Ela sugere também a criação de uma residência pedagógica, a utilização do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) como habilitação para se exercer a docência e o uso das competências fundamentais como parâmetros para avaliar os professores.

Segundo a ex-secretária de educação básica do MEC, Kátia Smole, o texto foi criado após amplas pesquisas em países com bom histórico de formação de educadores, como Finlândia, Inglaterra e Austrália, e consulta com pesquisadores brasileiros. “O Brasil possui uma formação mais teórica e esse documento é voltado à prática e ao ser professor. Pensa em um docente que deverá fazer gestão da aprendizagem e da sala de aula e que precisa dominar as competências que ensinará”, resume.

Para a presidenta da Associação Nacional de Formação de Professores (Anfope), Helena de Freitas, a vinculação de maneira tão estreita da BNCC da educação básica com a base da formação poderia criar um estreitamento do currículo e facilitar o mascaramento de dados sobre a qualidade do ensino brasileiro.

“A questão é a cadeia de ações que costuma acompanhar a elaboração de competências e avaliação docente. Ela inclui a responsabilização dos secretários de educação e prefeitos pelos resultados, o que pode provocar uma pressão que os leve a buscar assessorias para treinar professores e adestrar estudantes para as provas. Sem que tudo isto signifique efetivamente o que podemos entender como uma ‘boa educação’”, analisa.

Outro risco seria reduzir a formação à visão da BNCC. “Visão, essa, inventada pelo Movimento pela Base, constituído em 2012 por empresários da educação, em contraposição às diretrizes curriculares nacionais, construídas de forma participativa pela área educacional e profissionais da área”, afirma.

Ainda para a educadora, uma formação pobre e girando em torno de competências abriria ainda mais a educação para o “mercado educacional”. Transferindo, assim, recursos públicos para empresas.

“Há um conjunto de iniciativas que acompanharão a BNCC e a BNCFP que pode parecer, aos olhos dos leigos, uma mera questão curricular. Mas há a possibilidade de entrega do mercado de material didático a grandes corporações educacionais. Nos Estados Unidos, medidas similares consumiram bilhões de dólares em recursos públicos e enriqueceram organizações sociais, fundações e administradores de escolas charters [instituições de ensino públicas sob gestão privada]”, pontua.

Avaliação docente

Para a educadora e membro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Inês Barbosa de Oliveira, um controle da qualidade dos cursos de graduação no país seria melhor para a formação de professores do que um exame de habilitação docente.

“Atualmente, há uma indústria da formação, que rende muito dinheiro. A grande maioria dos cursos de pedagogia é ofertado pela iniciativa privada. São fáceis de aprovar, muitos oferecidos a distância e com professores desqualificados. O aluno paga por algo que não leva”, explica. “Se a preocupação é a qualidade da formação, por que não controlar e fechar esses cursos que não prestam?”

Mesma opinião possui Helena de Freitas. “Nestas instituições privadas, os professores são horistas, sem carreira e dedicação integral. Um quadro que não oferece aos estudantes, na maioria trabalhadores das camadas populares, a construção de percursos formativos adequados às necessidades da infância e da juventude na educação básica”, complementa.

Para Katia Smole, um exame que avalie a formação docente ajudaria a mapear as faculdades. “O objetivo é justamente que a má qualidade do processo não fique mascarada e que as faculdades que não oferecem uma boa formação sejam fechadas, como ocorreu em países como a Finlândia”, explica.

Segundo ela, a prova ajudaria a elevar a qualidade da formação nos centros particulares, atualmente responsáveis por formar 85% dos professores em atividade. “Um licenciado em matemática pela Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, dificilmente vai para a docência na escola pública”, analisa.

Residência pedagógica

Uma residência pedagógica nos moldes do que acontece nos cursos de medicina é outra medida da BNCFP. O objetivo é aproximar o estudante que está em formação da realidade da escola. “É como um estágio, mas com uma supervisão contundente”, diz a ex-secretária.

Já Oliveira atenta para uma possível substituição de professores pela mão de obra dos estudantes. “Como não há investimento em infraestrutura das escolas e na contratação de docentes, pode ocorrer desses alunos ainda não preparados ocuparem o lugar que deveria ser de professores contratados e trabalharem praticamente de graça”, alerta.

Smole não enxerga o mesmo risco. “Assim como acontece hoje no estágio, a função do residente não é substituir o professor”, afirma.

Veja mais:
BNCC do ensino médio negligencia pensamento crítico do aluno, apontam educadores
Residência docente aproxima estudantes de pedagogia do cotidiano da escola pública

Crédito da imagem: monkeybusinessimages – iStock

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