Professora de história da rede estadual do Rio de Janeiro (RJ), Valéria Borges foi acusada por um vereador cristão de “doutrinação ideológica” após uma aula sobre o nazismo. Já o educador de um colégio particular de Fortaleza (CE), Jam Silva Gomes, foi exposto e agredido verbalmente nas redes sociais após usar um filme sobre a resistência na ditadura militar brasileira em uma aula de sociologia.

Os dois casos exemplificam situações de perseguições vivenciadas por professores em tempos de movimentos como o Escola Sem Partido. Contudo, qualquer docente vítima de constrangimento pode encontrar apoio jurídico em sua entidade sindical, conforme explica o assessor jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Eduardo Ferreira.

“A depender da natureza da denúncia, deve-se recorrer a um boletim de ocorrência na unidade policial responsável pela área onde o fato ocorreu e ao Ministério Público “, orienta.

O professor também deve reunir testemunhas quando possível, que são meios de prova. “Qualquer um pode testemunhar, desde que esteja, de algum modo, vinculado ao incidente, como estudantes e funcionários”, informa.

Ainda segundo Ferreira, não é necessário acionar a polícia no momento do episódio, a não ser em casos de violência extrema. Por fim, o advogado afirma que o artigo 206, da Constituição Federal de 1988, apoia o professor e assegura “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”.

“Para além das referidas garantias constitucionais, toda escola possui um projeto pedagógico elaborado pelo corpo docente em parceria com a comunidade. Há também conselhos escolares e de educação que formulam e fiscalizam orientações curriculares. Ou seja, a própria instituição de ensino já possui medidas de freios e contrapesos que, por si só, impedem que educadores extrapolem em suas funções profissionais”, assinala.

Lei proíbe gravações

Em novembro de 2018, a recém-eleita deputada estadual de Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo (PSL-SC), incentivou alunos a gravarem docentes que apresentassem “manifestações ideológicas”. A atitude lhe rendeu uma ação civil do Ministério Público.

O advogado do CNTE lembra que todo material de apoio utilizado pelo educador está protegido por direito autoral e não pode ser divulgado ou reproduzido sem a sua autorização, seja por meio de gravação em áudio ou vídeo.

“O professor é a principal autoridade em sala de aula. O direito autoral está assegurado no artigo 46, inciso IV, da Lei nº 9.610/98. A sua transgressão pode gerar indenizações”, esclarece. “O uso de sua imagem também deve ser preservado”, acrescenta.

Diante do crescimento de iniciativas contra a liberdade de cátedra dos professores, mais de 60 entidades da educação e dos direitos humanos elaboraram, em conjunto, um Manual de Defesa contra a Censura nas Escolas. O documento reúne estratégias pedagógicas e jurídicas de defesa e combate às agressões.

Caminho do diálogo

Para coibir perseguições e dar suporte ao docente paulista, a Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp) também lançou um canal de apoio em parceria com o Instituto Vladimir Herzog. O profissional que for vítima de violência e ameaças pode acionar a entidade pelo telefone (11) 5082-5357 ou e-mail juridico@fepesp.org.br.

Ainda assim, a diretora de projetos educacionais do Instituto Vladimir Herzog, Ana Rosa Abreu, reforça que o caminho jurídico não deve ser a única via para tentar resolver a questão.

“Apesar do contexto pouco amistoso e desafiador, o professor precisa estar preparado para levar essa discussão em sala de aula. É importante abrir um espaço de diálogo com pais e alunos, sair da perspectiva de mocinhos e bandidos e não vê-los como inimigos. Lembrar que eles estão contaminados por um movimento”, recomenda. “Claro que nem sempre isso será possível, restando, nesses casos extremos, apenas a via judicial. Mas é importante tentar. Sem diálogos, não avançaremos nessa questão”, orienta.

Abreu sugere promover reunião com pais e alunos, ouvi-los, explicar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e reforçar que o pensamento crítico é uma demanda educacional do mundo atual. “O educador necessita ser educador em todas as horas, inclusive nessa”, afirma.

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Crédito da imagem: Tero Vesalainen – iStock

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