O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), instituído pelo Decreto nº 10.004 (2019), possui aparentes conflitos com a Constituição. Essa é a opinião do promotor de justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), João Paulo Faustinoni e Silva. Ele foi um dos participantes do “Seminário Militarização das Escolas Públicas”, que aconteceu na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), nesta segunda-feira (2/12).

Segundo ele, um dos pontos são os regulamentos internos das escolas militarizadas já em atividade, que controlam as publicações levadas pelos estudantes para o ambiente escolar, o uso das redes sociais, proíbem participações em manifestações e impõem padrões estéticos, como o veto a brincos, piercings, cores de cabelo, tipos de vestimenta, entre outros.

“A Constituição nos lembra da livre manifestação, de pensamento e da liberdade da atividade intelectual. Nesse sentido, os regulamentos internos são um susto. Não há meio ou condições de sustentar esse tipo de regime”, explica o especialista.

“A escola é lugar de liberdade para aprender, manifestar-se e de se relacionar com o saber. Como isso vai ser respeitado em um ambiente de vigilância?”, questiona.

Em julho de 2019, o MPF da Bahia enviou uma recomendação sobre a violação de direitos às prefeituras e às escolas públicas do estado que mantêm cooperação com a Polícia Militar. “A questão é que o decreto é vago sobre a implementação da militarização das escolas. Saberemos sobre os conflitos com a Constituição após as implementações”, informa.

Professora da Faculdade de Educação da Unicamp, Telma Pileggi Vinha, lembrou que os regulamentos internos preconizam a obediência acrítica dos alunos sobre as práticas aplicadas pelos militares.

“A obediência cega é um campo fértil para abusos”, destacou ela, que apresentou dados da audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (ALE-AM), em 27 de setembro de 2019. Na ocasião, foram encaminhadas para a ouvidoria da Secretaria de Educação mais de 100 denúncias sobre assédios de cunho moral, sexual e abuso de autoridade envolvendo as 10 unidades do Colégio Militar da Polícia Militar (CMPM), em Manaus (AM).

Privilégio

Outro possível ponto de conflito com a Constituição seria o caráter de universalização da educação previsto na legislação. Assim, os programas federais deveriam atender todas as escolas. Silva, contudo, lembrou que o decreto é um programa de complementação.

“A legislação prega a igualdade de condição, permanência e acesso. Só que a iniciativa não é universalizada, podendo constituir um privilégio. Pode ser questionado o investimento de recursos públicos em uma política que não é para todos”, pontua.

“Além disso, se há uma única escola na localidade e esta será militarizada, todos os moradores ficam submetidos a essa espécie de escola”, reforça.

Da esq. para a dir., João Paulo Faustinoni e Silva, Wagner Romão (ADunicamp), Roberto Romano (Unicamp) e Telma Pileggi Vinha, durante o evento (crédito: Leonardo Valle)

 

O jurista ainda ressalta que o decreto não contempla o Plano Nacional de Educação (PNE) ou os demais planos estaduais e municipais.

“Estes não citam ‘militar’ ou ‘militarização’ em seus textos. Além disso, ‘hierarquia’ e ‘disciplina’, pregadas nas escolas militarizadas, não são metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Até que ponto o governo federal pode fazer programas divorciados dos planos?”, questiona.

O decreto ainda estipula a contratação de militares da reserva para as escolas, que não são considerados profissionais da educação. “A função das forças armadas é a defesa do Estado e das instituições democráticas. Pode haver um desvio de funções desses profissionais”, adianta.

“No Brasil, a contratação de docentes é por concurso público. É preciso estabelecer quais as habilidades são necessárias para exercer a função dentro da escola. Lembrando que todo profissional ali exerce função educativa”, esclarece.

Por fim, Silva ainda destacou que a legislação estipula que todo ensino público é permeado pela gestão democrática. “Não é permitido uma consulta pública sobre a militarização de uma escola que não leve em consideração a lei, que diz que conselhos de educação devem ser ouvidos e ter poder de liberação”, exemplifica.

Veja mais:
Lógica das escolas militarizadas vai na contramão de países referência em educação, analisa pesquisadora
Entidades de psicologia e educação defendem que escolas cívico-militares não fortalecem valores morais

Crédito da imagem principal: Leonardo Valle

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