Zuri tem seis anos e é autista. Seu acompanhamento terapêutico é realizado na rede pública de saúde de São Paulo sempre no período da manhã, e inclui consultas regulares com pediatra e grupos de convivência. Ao ingressar no ensino fundamental municipal, contudo, uma surpresa: sua vaga não saiu para o período da tarde, o que atrapalharia a continuidade de seu tratamento.

“A transferência foi uma luta. Fiquei em uma articulação insistente com a escola onde ele foi matriculado, a instituição onde havia a vaga no período da tarde e a diretoria de ensino. Lá, acionei tanto a área de demanda de vagas, que é de praxe, quanto a de educação inclusiva, que já conhecia o histórico do meu filho”, relembra sua mãe, Natália Cunha. “O resultado é que o Zuri, que já possui uma condição diferente de aprendizagem, só conseguiu ser transferido um mês após o início das aulas. Ou seja, começou defasado das outras crianças”, revela.

Os problemas do aluno com autismo, também conhecido como, Transtorno do Espectro Autista (TEA), em acessar a escola são recorrentes em diversas localidades do Brasil. Além da falta de diálogo entre os setores da educação, bem-estar social e saúde, como no caso do aluno Zuri, dificuldades em conseguir transporte e alimentação adequados também são relatadas.

“É comum o aluno que está dentro do TEA não conseguir permanecer no transporte escolar com as outras crianças por conta do barulho e do confinamento. Contudo, os pais com baixa renda não possuem dinheiro para pagar a passagem de forma a acompanhá-lo no trajeto de ônibus até a escola, ir ao trabalho, buscar a criança na instituição de ensino e levá-la para casa novamente. Como não há isenção na tarifa do transporte, a saída é eles ficarem do lado de fora da escola, esperando o turno do estudante acabar”, conta a administradora do grupo Anjo Azul, Lilian Marcacini. A iniciativa acompanha famílias de crianças com TEA no Paraná.

No caso da alimentação, a criança com TEA, não raro, possui alguma seletividade de alimento. A escola, contudo, nem sempre oferece o alimento individualizado. “O Zuri tem alergia ao leite e a escola olha do ponto de vista clínico. Ou seja, não basta a orientação da mãe, é preciso um atestado médico para que a mudança na dieta ocorra”, aponta Cunha.

Merendeira como cuidadora

Solange Lopes é avó de Bernardo, de quatro anos, que estuda na rede municipal de Poá (SP). Sem ofertar o professor auxiliar, que é direito de todo o aluno com deficiência, a escola deslocou uma merendeira para atuar como cuidadora do menino.

“Um dia, cheguei à escola e encontrei meu neto sozinho no pátio. A merendeira me avisou que não queria mais cuidar dele porque era agitado e agressivo. Atribuo toda essa situação à falta de profissionais capacitados para lidar com a criança autista”, aponta ela que, agora, luta para conseguir um professor auxiliar. “Quando brigamos por acessar um direito, somos humilhadas, taxadas de chata e de levar problemas para a escola”, desabafa.

Em Itaquaquecetuba (SP), Carola Giovana Salcedo Caballero precisou entrar com um mandado de segurança para que seu filho Marcos, de sete anos, tivesse direito a um professor auxiliar no primeiro ano do ensino fundamental.

“Minha dificuldade foi com a Secretaria de Educação. O pedido deve ser atendido em dez dias, eles não cumpriram o prazo. Até que mandaram uma senhora deslocada de outra escola para atuar como cuidadora. Precisei conversar que a necessidade do meu filho era de acompanhamento pedagógico”, afirma. “Demorou um ano para conseguirmos a professora auxiliar, e hoje vejo uma evolução significativa no desenvolvimento dele por conta desse acompanhamento”, ressalta.

Para todas as mães entrevistadas, a falta de informação generalizada sobre TEA é o principal problema das redes de ensino públicas. “Na prática, cada autista é diferente . Forçar essa criança a ser uma criança típica não é possível. Isso é incompreendido”, analisa Daniela Martins, moradora de Canoas (RS) e mãe de Rian, de oito anos.

“Quando recebemos o diagnóstico de autismo, há uma corrida contra o tempo. O tratamento é longo e nem sempre os resultados são imediatos. O poder público precisa lembrar que, para cada criança que atrasa um tratamento ou alfabetização, é o futuro dela que está em jogo”, adverte Caballero.

A reportagem contatou as prefeituras de São Paulo, Poá e Itaquaquecetuba sobre os relatos divulgados, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.

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