Crianças de cinco anos matriculadas no primeiro ano do ensino fundamental ao longo do ano letivo. Professores despreparados recebendo crianças pequenas em classes superlotadas. Decisões judiciais desencontradas. Esse era o contexto para se ingressar no ensino fundamental I quando o Conselho Nacional de Educação (CNE) estipulou, em 2010, uma data de corte para a entrada dos alunos nessa etapa de ensino. A partir de então, a matrícula no primeiro ano é realizada somente se a criança tiver completado seis anos de idade até o dia 31 de março do ano da matrícula. Antes disso, o aluno permanecerá na educação infantil.

A medida, contudo, foi considerada inconstitucional pelo estado do Mato Grosso do Sul e pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Ambos se apoiam na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabelece que o ensino fundamental inicie aos seis anos de idade. As duas ações estão sendo analisadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que, após um empate entre os ministros, retomará o julgamento em 1 de agosto de 2018.

Para a professora do programa de pós-graduação em educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Ângela Maria Scalabrin Coutinho, questões financeiras também estão no pano de fundo da briga judicial. Atualmente, cabem aos municípios a oferta tanto do ensino infantil quanto do ensino fundamental I. As matrículas são obrigatórias a partir dos quatro anos de idade, na pré-escola.

“Para o município, a pré-escola é mais custosa que o fundamental I porque exige turmas menores e mais professores por sala. Além disso, o repasse do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) é maior no fundamental I. Isso faz a diferença para os municípios, que são os entes mais frágeis na distribuição de recursos para a educação”, afirma. “Além disso, a rede privada também se beneficiaria com mais alunos no fundamental I do que na educação infantil”, acrescenta, contextualizando que os motivos são os mesmos da rede pública: essa fase custa mais para a instituição de ensino do que a seguinte.

Conceito de infância

A importância da infância é outro aspecto relevante da pauta analisada pelo STF. “Há uma concepção no imaginário popular que a inteligência será maior quanto mais cedo a criança adentra na escola. Na verdade, criam-se outros problemas. Há uma mudança pedagógica brusca do ensino infantil para o fundamental I, e a criança de cinco anos não está preparada para entrar em uma etapa que não foi pensada para ela. Esse aluno precisa viver outras experiências, inclusive cognitivas, antes disso. Pula-se uma etapa importante da infância”, conclui.

Opinião semelhante tem a pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e presidente da Ação Educativa, Maria Malta Campos. “Hoje, as crianças já estão entrando no 1º ano bastante jovens: com seis anos recém-completos ou até ainda não completos, pois a data de corte é o final de março, quando as aulas já começaram. A resolução do CNE foi recente e a maioria das redes ainda não se adaptou para receber essas crianças menores: desde o mobiliário, até o número de crianças por sala, passando pelos métodos pedagógicos. Antecipar em mais um ano agora, como se fosse apenas uma medida burocrática, seria prejudicial à maioria das crianças nessa fase delicada em que ocorre o aprendizado da leitura, da escrita e das primeiras noções de matemática”, assinala.

“Os objetivos de aprendizagem levam em conta a idade dos pequenos em cada ano de escolaridade. Um ano de diferença de idade na infância significa algo muito distinto do que um ano de diferença de idade para o adulto”, complementa.

Ainda de acordo com Malta, uma decisão favorável à matrícula de crianças de cinco anos tornaria regra uma exceção. “O que acontece é a antecipação da matrícula acontecer por interesses particulares, de grupos de pais ou de escolas privadas, que acreditam que seus filhos ou alunos são diferentes dos demais e devem adentrar no ensino fundamental mais cedo. Sempre existirão exceções às regras, o que já é previsto na legislação para aqueles poucos casos especiais, que podem ser encaminhados aos setores competentes. Mas algumas exceções não podem ser motivo para prejudicar a educação de milhões em um país das dimensões do Brasil”, finaliza.

Saiba mais:
Currículo de 0 a 3 anos deve focar em vivências, não em conteúdo

Atualizada em 27/7/18 às 18h22.

Crédito da imagem: Ilya Burdun – iStock

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