Lançada em 2008 pelo Ministério da Educação (MEC), a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva trouxe, como princípio, uma escola regular que atendesse o aluno com deficiência apoiando-se em recursos oferecidos pela educação especial. Para isso, o documento ajudou a delimitar o público atendido e a orientar os sistemas de ensino sobre como atender as necessidades educacionais específicas dessa população.

“Até 2003, possuíamos aproximadamente 500 mil estudantes com deficiências matriculados nas redes de ensino, mas segregados em classes ou escolas especiais. A partir de 2004, houve um aumento de investimentos e estímulos que resultaram em uma melhora na universalização do acesso. O número de matrículas quase dobrou e os alunos estavam, agora, majoritariamente em escolas regulares”, contextualiza a coordenadora da rede de pesquisadores do Observatório Nacional de Educação Especial (Oneesp) Enicéia Gonçalves Mendes.

Após dez anos da implantação da política, o MEC, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), iniciou um movimento para a atualização do documento. Para isso, representantes do ministério se reuniram com um grupo restrito de entidades em 16 de abril de 2018. Na reunião, foi apresentada a intenção de alinhar a política às novas legislações e terminologias surgidas na última década.

Segundo Mendes, o país enfrenta, atualmente, desafios relacionados à universalização no atendimento dos estudantes com deficiências, à formação de professores e à qualidade do ensino que precisam ser revisitados. De acordo com o Censo Escolar (INEP) 2017, menos de 40% dos alunos apoiados pela educação especial recebem o Atendimento Educacional Especializado (AEE) assegurado pela Constituição Federal. Faltam, principalmente, as chamadas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), utilizadas como suporte para a aprendizagem no contraturno das aulas.

“Outro problema é que temos, ainda, uma política apoiada apenas no uso da sala de recursos. Países que avançaram na educação especial valorizam o tempo do aluno em classe regular, amparado com suportes. O professor auxiliar, mesmo que não fique o tempo todo com o estudante, trabalha de forma colaborativa com o educador regular”, assinala.

“O uso da sala de recursos apenas duas vezes na semana, durante duas horas, é insuficiente para compensar todas as carências que vêm da aula regular. Se o professor não mudar estratégias de ensino e avaliação em classe, não haverá mudança efetiva”, analisa.

A pesquisadora também alerta para o caráter pouco personalizado das salas de recursos especiais, com suportes generalistas para atender alunos com necessidades diversificadas. “Na prática, a SRM atende melhor determinadas necessidades do que outras”, destaca.

Formação inicial é necessária

Quanto à formação docente necessária para apoiar a aprendizagem do estudante da educação especial, o Censo Escolar 2017 revela que apenas 5,5% dos professores da educação básica possuem formação continuada na área, e 43,5% dos que atuam no Atendimento Educacional Especializado passaram por instrução específica.

“Hoje, a política foca mais na educação continuada do professor do que na inicial, o que obriga o docente interessado em fazer uma especialização depois de formado, que será paga do seu bolso. Isso prejudica a oferta, o planejamento de aulas, o uso de materiais, formas de avaliação e acompanhamento diferenciados”, afirma Mendes.

Por fim, a educadora lembra que a dificuldade em incluir os alunos com deficiências nas redes também é reflexo da baixa qualidade do ensino no Brasil como um todo. ” Falta investimento e a inclusão precisa de um apoio que não encontra”, associa.

A coordenadora, contudo, acredita que qualquer movimento de ampliação e qualificação do ensino não será efetivado por conta da “lei do teto”. A aprovação da Emenda à Constituição (EC) 55, do governo Michel Temer, impôs um teto aos gastos públicos pelos próximos 20 anos, congelando investimentos da educação. “Com corte de dinheiro não se implanta política alguma e não há perspectiva de melhoras”, lamenta.

Mais alunos, menos recursos

Segundo a professora e membro do comitê do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib) Sumika Freitas, outro problema é o movimento do MEC que visa, via atualização da política, alterar o público-alvo da educação especial.

“O texto que foi apresentado na reunião do dia 16 generaliza a ideia de que estudantes que enfrentam algum tipo de dificuldade na escola, de natureza comportamental ou de aprendizagem, devem integrar o público da educação especial. Com isso, alunos com dificuldades transitórias ou com dislexia e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (Tdah) seriam incluídos”, explica.

“Esse conceito seria alargado de modo não pedagógico e não consensual, desconsiderando a produção científica na área. Além disso, isso aumentaria a demanda sem destinar recursos”, decreta.

Para a educadora e representante da Federação Nacional das Apaes (Fenapaes) Fabiana Maria das Graças Soares de Oliveira, a atualização da política é bem-vinda, mas há ressalvas. “É importante uma revisão após esses dez anos, contudo, se essa ampliação ocorrer, devemos nos posicionar no momento da consulta pública”, adianta.

Por fim, Mendes e Freitas vêem com estranheza o fato de instituições educacionais não terem sido convidadas para a primeira reunião. “Há, no Brasil, uma tendência em elaborar políticas públicas de gabinete, sem ouvir professores e pesquisadores. Com isso, há dificuldades de implantação na ponta”, explica Mendes.

Procurado pela reportagem, o MEC respondeu, em nota oficial, que a atualização da política “contará com consultas a especialistas, entidades representativas da sociedade civil, bem como representantes dos sistemas de ensino. Após essas consultas, será elaborada uma proposta inicial que ainda irá para consulta pública, para que a sociedade possa dar contribuição, buscando aperfeiçoá-la, de modo a atender, numa perspectiva plural, o interesse de todos”.

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Nayara Silva
Nayara Silva
4 anos atrás

gostaria que você colocasse suas referencias. Quem é esse Mendes mencionado no texto ? gostei muito parabéns.

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