O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional, em 2017, uma lei inspirada no Escola Sem Partido aprovada no estado de Alagoas. Atualmente, uma nova movimentação acontece no Legislativo visando aprovar um projeto de lei nacional com as mesmas características. O documento se encontra em uma comissão especial da Câmara dos Deputados, formada por 24 membros, e foi submetido ao parecer do relator, deputado Flavinho (PSC-SP). O novo texto aguarda, agora, ser votado pela comissão, ainda sem previsão de data.

Segundo o pesquisador e professor de filosofia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Flávio Carvalho, o texto tenta assumir uma posição de neutralidade inexistente. “O Escola Sem Partido tem partido, não no sentido político-partidário, mas social. Fica claro que é a visão de um determinado segmento do cristianismo ultraconservador. E quanto mais conservador, menos ele admite que outros discursos convivam na sociedade”, afirma.

O Escola sem Partido defende uma escola neutra? Isso é possível?

Flávio Carvalho: O ambiente escolar é um espaço de construção de conhecimento, de pensar os modos de viver e de existir. Logo, é um local de pluralidade. Assim, não me causa espanto que alguns queiram atacá-lo: é estratégico. Sobre a neutralidade, nas ciências, sabemos que ela não existe. Todos os discursos no corpo social têm ideologia. O problema é quando a fala do Escola sem Partido não assume que tem ideias e visões de mundo próprias e nega as dos outros.

Foto do professor Flávio Carvalho. Ele usa camisa branca e discursa em um microfone enquanto gesticula com as mãos
“Escola é ambiente de pensar e inventar novas formas de vida”, diz o docente e filósofo Flávio Carvalho. (Crédito: arquivo pessoal)

 

O projeto é defendido por quem?

Carvalho: O projeto Escola Sem Partido tem partido, não no sentido político-partidário, mas social. Fica claro que é a visão de um determinado segmento do cristianismo, ultraconservador. Digo segmento porque o cristianismo possui ramificações positivas também, muitas delas humanitárias, inclusivas e que prezam a diversidade de pensamento. O problema é que quanto mais conservador é um segmento, menos ele admite que outros discursos convivam na sociedade.

Quem se opõe ao Escola sem Partido e por quê?

Carvalho: Quem resiste são grupos de discurso inclusivo e de pluralidade. A ideologia do Escola Sem Partido favorece uma visão de que há uma única forma de se viver e se relacionar com Deus. E tem duas características marcantes: ataca a diversidade religiosa e a igualdade de gênero. Se vale de uma visão heteronormativa [que enxerga a heterossexualidade como única orientação sexual que deve existir numa sociedade] e androcentrica [centrada no ponto de vista masculino] da sociedade. Com isso, nega os direitos da mulher, dos gays, lésbicas e transgêneros, assim como desprestigia as outras religiões, especialmente as de matriz africana. Então, quando um movimento propõe perseguição e censura, haverá resistência e isso é saudável.

Pode-se dizer que há uma disputa de forças por trás do Escola sem Partido?

Carvalho: A sociedade é um campo de disputas e se constitui justamente pela tensão de vontades, desejos, objetivos e ideologias. Então, no momento que você tem uma posição conservadora, outros grupos se levantam contra. Eu convivo com educadores e vejo esse movimento de luta pela liberdade, pela pluralidade de discursos e de modos de vida, que é tão ou mais intenso. Lembrando que nos grupos de pluralidade e diversidade, é possível acolher opiniões diferentes, desde que essas opiniões não queiram se colocar como únicas e nem neguem as dos outros. Já a visão reacionária não admite isso.

Um projeto como o do Escola sem Partido faz parte de um contexto político e social maior?

Carvalho: Ele não está isolado. Há um contexto nacional e internacional de desrespeito à diversidade e fim do diálogo. Isso está na Casa Branca, na União Europeia, entre outros. Aqui no Brasil, vivemos um momento de fragilidade política, perda de direitos e crise econômica. Isso é um terreno fértil para o que chamo de discurso do profetismo do terror.

Qual o status atual do projeto no Legislativo? Por que está parado?

Carvalho: Foi retirado de votação no Senado e, na Câmara, aguarda votação em uma comissão especial. Há uma questão de que o trabalho no Legislativo desacelera no período eleitoral, contudo, sua retirada e pausa foram estratégicas. O projeto não seria aprovado no Senado, motivo pelo qual tramita apenas na Câmara nesse momento. Modelos similares a ele avançam nas câmaras municipais e estaduais de todo o país. Então, sua parada e retirada são uma cortina de fumaça para esses avanços locais.

Por que as ideias do Escola Sem Partido conseguiram penetração na sociedade, sendo aceitas por uma parcela da população?

Carvalho: Penso que o projeto utiliza expressões genéricas e preza pela falta de clareza, buscando a adesão da população. É o caso de não explicar o que entende por ideologia ou afirmar que possui um discurso neutro. Além disso, há esse contexto de profetismo do terror, que faz com que as pessoas tenham medo e busquem discursos que geram certa sensação de tranquilidade.

Veja mais:
Livro gratuito analisa Escola Sem Partido e suas consequências

Crédito da imagem principal: maroke – iStock

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