Em 2016, a jornalista Viviane Duarte fundou o projeto “Plano de Menina”, com o objetivo de conectar alunas da periferia de São Paulo com o mercado de trabalho, discutir empoderamento feminino e sororidade. Atualmente em 10 estados, a iniciativa funciona por meio de workshops sobre temas diversos, rodas de conversa e mentoria com mulheres de diferentes áreas. Em 2018, contudo, as garotas que participavam da iniciativa trouxeram questões relacionadas aos meninos. “Quanto mais elas identificavam situações de assédio, masculinidade tóxica, bullying e racismo na escola, mais violentos os garotos ficavam”, relata.

Foi assim que surgiu o “Plano de Menino”, projeto que funciona com a mesma estrutura da versão feminina, mas com o intuito de abordar temas específicos do universo masculino com os meninos, principalmente a reflexão do que é “ser homem”.

“Nas primeiras reuniões com estudantes para mapear as demandas, vimos que eles eram ensinados a não demonstrar emoções. Houve relatos de garotos que apanhavam do pai caso chorassem, que o pai não se deixava ser abraçado porque ‘era coisa de homossexual’ ou que a própria mãe incentivava o filho a mexer com mulheres na rua”, descreve Duarte.

O projeto foi estruturado com apoio de duas psicólogas e funciona com rodas de conversa, dinâmicas de teatro sobre situações machistas vivenciadas, palestras com homens de diferentes áreas de atuação profissional e cursos profissionalizantes.

“De um lado, falamos sobre educação financeira, programação e mercado de trabalho. Do outro, abordamos assuntos como masculinidade toxidade, sexualidade, equidade, sonhos e sentimentos. Isso tudo de forma direta, mas também lúdica.”

Mudança de atitude

Há um ano e meio, o Plano de Menino acontece na Escola Técnica Estadual (Etec) Prof. Dr. Doroti Quiomi Kanashiro Toyohara, em Pirituba, São Paulo (SP). Entre os 30 alunos que participam do projeto está Juan Dutra, de 16 anos. “Discutimos não apenas o relacionamento com as meninas, mas dos amigos homens entre si”, explica. “Aprendi que posso ser homem e ter sentimentos e que nosso papel é do lado delas. Que elas não são inferiores, não estão abaixo, não são seres delicados e sensíveis”, relata.

A idealizadora do projeto, Viviane Duarte, com os participantes da Etec em Pirituba, São Paulo (SP) (crédito: arquivo pessoal)

 

Dutra também passou a perceber atitudes machistas ao seu redor. “Vejo amigos que falam que homem não pode isso, não pode aquilo. Não deixo que essas situações me afetem e também não guardo o conhecimento que adquiri só para mim, tento passar adiante”, garante.

O aluno Daniel Crevelanti, 16, também mudou atitudes do dia a dia após participar do curso. “Percebi que é possível resolver as coisas sentando e conversando, e não com violência. E que abrir nossos sentimentos para alguém que a gente confia é bom, a gente se sente melhor”, relata.

“Eu era um pouco ‘ignorante’, não aceitava a opinião dos outros e tudo tinha que ser do meu jeito. O curso me ajudou a ver que pessoas podem ter opiniões diferentes e conviverem numa boa. Comecei a me abrir mais em relação aos meus pais também”, confessa.

Diretora da Etec, Eliane Malteze afirma que os casos de assédio e bullying de meninos com meninas eram frequentes antes do projeto. “A escola possui um perfil mais masculino. Os estudantes costumavam fazer um corredor e bater palma para as alunas que passavam”, relembra. “Com o projeto, a relação ficou mais respeitosa.”

Ela também vê diferença entre o Plano de Menina e o Plano de Menino. “No primeiro, tem um esforço de incentivar as garotas a não se verem como inimigas, a não competirem entre si e a criarem redes de apoio. No segundo, de ser um espaço no qual os alunos possam expressar sentimento. De demonstrar fragilidade sem ter sua masculinidade questionada”, revela. 

Professor é parceiro

Viviane Duarte conta, ainda, que envolver os professores é parte importante do processo. “O educador pode reproduzir o machismo por meio de piadas sexistas”, assinala.

Nas escolas que recebem o plano, os docentes assistem uma atividade teatral chamada “Não é piada”, que funciona como um glossário. “Trazemos situações do dia a dia que eles se identificam. E questionamos: sua atitude está excluindo alguém, está expondo alguma menina?”

O projeto Plano de Menino conta com roda de conversas, teatro e palestras com profissionais de diferentes áreas (crédito: arquivo pessoal)

 

O projeto ainda se propõe a realizar rodas de conversas com professores da rede pública que quiserem abordar o tema. Par isso, basta entrar em contato com a página do projeto Plano de Menina, no Facebook.

“O machismo atinge a todos. Se não envolvermos os meninos na conversa também, ficaremos falando apenas entre nós, mulheres”, justifica Duarte.

Atualizada em 17/9/2019 às 17h14.

Veja mais:
Para Maria da Penha, machismo dentro da escola precisa ser revisto
Direito das mulheres se aprende na escola
ONU Mulheres lança currículo e planos de aula para discutir gênero nas escolas

Crédito da imagem principal: arquivo pessoal

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