Os enredos das escolas de samba possuem uma profunda relação com a história e a cultura do Brasil. “Desde a obrigatoriedade da inclusão de uma narrativa específica nos desfiles das agremiações cariocas, na década de 1940, os temas versaram sempre sobre motivos brasileiros e, muitas vezes, sobre personagens e momentos relevantes do país”, explica a mestre em história e pesquisadora do tema, Helena Cancela Cattani.

Por este motivo, os sambas-enredos podem ser um bom recurso didático para os professores na hora de explicar conteúdos de história, geografia e até literatura. É o que acontece desde 2014 com os alunos do ensino médio da Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará (UFPA). Todos os anos, os estudantes são desafiados a analisar um samba-enredo que verse sobre as contribuições das culturas do povo negro e indígena. A atividade faz parte do projeto “Cartografia da Cultura Afro-brasileira e Indígena” e acontece nas aulas de artes, em intersecção com conteúdos de história e geografia.

“Cada ano, escolhemos uma temática diferente para estudar. Para falar sobre religiosidade, por exemplo, analisamos o samba da Mangueira de 2017, ‘Só com a ajuda do Santo'”, conta o atual coordenador do projeto, Eduardo Wagner. “Os alunos refletem sobre a letra, os significados das palavras, a forma como a cultura afro-indígena se manifesta e aspectos históricos. Ao final, eles transformam tudo o que aprenderam em uma performance artística”, descreve.

Vivência e aprendizagem

Segundo Cattani, o uso do samba-enredo como recurso pedagógico é valioso por mostrar ao aluno que o processo de aprender não se limita apenas à sala de aula e ao livro didático. “O estudante percebe que a aprendizagem vai além do livro didático, passando a relacionar elementos externos à escola também como momentos para obter informação. O samba-enredo permite relacionar esse conhecimento formal recebido dentro das escolas com uma vivência”, justifica.

Já Wagner enxerga um cunho pedagógico na própria forma como o samba-enredo é construído pelas escolas de samba. “Há a pesquisa do tema, que pode ser histórico ou social. Na sequência, esse conteúdo é transformado em uma obra artística audiovisual, que será apresentada como espetáculo”, descreve. “Vale ainda destacar que o samba-enredo é fruto de uma manifestação popular genuinamente brasileira. A academia e a escola, em geral, não tendem a olhar com bons olhos manifestações populares, algo que está mudando nos últimos anos”, pondera.

Temas diversificados

Mas como escolher o melhor samba-enredo para trazer à sala de aula? Para Wagner, a melhor opção é aquela que atende ao conteúdo que o educador pretende trabalhar com a sua turma. “Há muita produção e sobre os mais variados temas. Cabe a cada professor o seu trabalho de pesquisa”, ressalta. “Além disso, o samba não é um recurso que fica restrito às aulas de história. Para estudar o romantismo, por exemplo, é possível utilizar o samba-enredo da Beija-Flor em 2017, Iracema”, afirma.

Outras sugestões são apresentar as músicas para um debate inicial com os alunos sobre o seu conteúdo, de forma a analisar se os elementos presentes nela se relacionam ao tema proposto.

“O professor pode, ainda, apresentar trechos do desfile, permitindo que a turma observe como se deu a construção plástico-visual do enredo. Outra opção é a criação de desenhos e protótipos de fantasias e alegorias com a narrativa proposta; e também a própria construção por parte dos alunos de uma história fictícia sobre um tema abordado previamente”, orienta Catani.

Sobre os desfiles de 2018, Wagner sugere aos professores duas temáticas. A primeira é o samba-enredo da Portela, “De Repente De Lá Pra Cá e Dirrepente De Cá Pra Lá…”, que enfoca a cultura nordestina e a literatura de cordel. A segunda é a história da Beija-Flor, ‘Monstro é aquele que não sabe amar”. “Esta obra aborda, a priori, a atual situação do carnaval do Rio, que vem sofrendo retaliações por parte do governador. Contudo, é uma crítica social que pode ser transposta para outros cenários e conjunturas”, indica.

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