O processo de alfabetização exige diferentes operações cognitivas e linguísticas da criança. Assim, o uso de apenas um método por educadores se mostra insuficiente. “Para que todos os componentes dessa aprendizagem sejam considerados, a solução tem sido usar simultaneamente, propostas de diversos métodos”, aponta a professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Magda Soares. Seu livro, “Alfabetização: A questão dos métodos”, foi o vencedor do 59º Prêmio Jabuti na categoria não-ficção. Confira, a seguir, a entrevista completa.

O que significa afirmar que são necessários “diversos métodos para alfabetizar”?

Magda Soares: A aprendizagem inicial da língua escrita é processo complexo, já que se trata da compreensão e apropriação de um sistema de representação dos sons da língua por grafismos – letras. Isso exige da criança várias e diferentes operações cognitivas e linguísticas. Métodos de alfabetização, em geral, privilegiam um ou alguns dos componentes cognitivos e linguísticos dessa aprendizagem, ignorando os demais. Assim, para que todos os componentes do aprendizado sejam considerados, a solução tem sido usar no ensino, simultaneamente, propostas de diversos métodos.

Quais habilidades são exigidas da criança no processo de alfabetização?

Magda Soares: Em primeiro lugar, a criança precisa compreender que a escrita representa os sons da fala, e não aquilo de que se fala, o que exige dela uma abstração. Para escrever, por exemplo, ‘boneca’, ela tem de focalizar os sons dessa palavra e abstrair o objeto que ela designa. Este é o primeiro e indispensável passo para a alfabetização. Um passo que a humanidade levou milhares de anos para dar, até criar o sistema alfabético de escrita. Para “recriar” essa possibilidade de tornar a fala visível, é necessário desenvolver na criança a consciência fonológica, isto é, as habilidades de prestar atenção aos sons das palavras; de segmentá-las em sílabas; de perceber, nas sílabas, os fonemas, que são os sons abstratos, e não pronunciáveis isoladamente, que a escrita registra. Para esse registro, a criança tem de conhecer e diferenciar as letras e aprender o som que cada uma representa. Assim, vai tornando-se capaz de escrever e ler palavras, depois pequenas frases e pequenos textos. Após isso, já se trata mais de letramento que de alfabetização: desenvolver habilidades de ler e interpretar e produzir sequência de frases de diferentes gêneros.

O que é necessário para alfabetizar?

Magda Soares: O essencial é o conhecimento, que quem alfabetiza precisa ter, do processo cognitivo que a aprendizagem do objeto linguístico – língua escrita -, demanda da criança. Ou seja, é preciso ter conhecimentos de psicologia, particularmente psicogenética, psicologia cognitiva e psicologia do desenvolvimento, e conhecimento da língua escrita em seus aspectos fonológicos, fonêmicos, semânticos e sintáticos. E é preciso ter habilidades de transpor esses conhecimentos para ações didáticas e pedagógicas. Em síntese, o que é necessário para alfabetizar é uma formação adequada de alfabetizadores, seguida de acompanhamento para seu desenvolvimento profissional, no exercício da docência. É o que tem faltado em nosso país.

O que atrapalha o processo de alfabetização?

Magda Soares: Profissionais sem formação ou com formação insuficiente sobre o processo de alfabetização dificultam a aprendizagem da língua escrita pela criança, por não saberem orientar adequadamente o processo. Além disso, dada a complexidade do processo e o ritmo diferente em que ele se desenvolve nas crianças, turmas com número excessivo de alunos prejudicam a alfabetização. Isso dificulta acompanhamentos individuais. Acrescente, ainda, que escolas sem biblioteca e sem material de apoio à alfabetização como livros de literatura infantil negam ao alfabetizador recursos que enriquecem ou facilitam a alfabetização.

A alfabetização começa na escola?

Magda Soares: A alfabetização é um processo contínuo que começa antes mesmo de os menores entrarem para a escola. Em sociedades grafocêntricas, isto é, centradas na escrita, a criança, desde muito pequena, convive com a cultura do escrito, vê pessoas lendo e escrevendo, vê livros, jornais, revistas, outdoors, cartazes ao seu redor, e manifesta curiosidade sobre “o que está escrito aqui”, “que letra é esta?” etc. Pode-se dizer que é uma pretensão da escola achar que é ela que inaugura a alfabetização. O que cabe à escola é dar continuidade a um processo de alfabetização informal, já em desenvolvimento.

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