Conteúdos

– Dominação japonesa na Península Coreana
– Guerra Fria e Guerra da Coreia
– Coreia do Sul como modelo no ocidente
– Capitalismo e desigualdade social.

Objetivos

– Aprender sobre a história da Coreia
– Entender a divisão do mesmo território em dois países diferentes
– Conhecer o filme e a cultura da Coreia do Sul
– Debater a desigualdade social e as diferenças de classe.

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1ª Etapa: Um pouco de História da Coreia (ou das Coreias)

Ocupação e Anexação da Coreia pelo Japão

Entre os anos de 1910 a 1945, a Coreia, até então unida em um único território, esteve sob domínio japonês. O período compreendeu o momento entre a vitória japonesa sobre a Rússia, em 1905, na Guerra Russo Japonesa e a derrota do Eixo na II Guerra Mundial no qual o Japão fazia parte junto com Itália e Alemanha. A Coreia torna-se um protetorado do Japão em 1905, fruto do Acordo Taft-Katsura no qual, em troca, os Estados Unidos ficariam com as Filipinas, Twaian e Havai. Em 1910, o território coreano é anexado oficialmente ao Japão, tornando-se uma colônia, através do “Tratado Japão-Coreia”, assinado unilateralmente pelo imperador japonês.

A dominação japonesa na Coreia foi um período, além de longo, muito traumático para os coreanos. Marcado por uma intensa violência e repressão, o governo imperial japonês forçou a assimilação cultural coreana através da proibição das manifestações culturais e das expressões artísticas da população, da imposição da língua japonesa, proibição de música e teatro e a exigência da adoção de nomes japoneses. Além disso, os sucessivos governadores locais, todos militares, impediram a auto organização, as manifestações pela independência e dissolveram sindicatos e movimentos sociais.

Durante o período, o território coreano passou por intensa exploração, industrialização e produção agrícola em latifúndios. Os donos dessas empresas eram, no entanto, japoneses e os trabalhadores coreanos. Em alguns casos, como na agricultura, houve tal como em outras colônias asiáticas e africanas a obrigatoriedade do trabalho sem remuneração, ou seja, trabalho forçado ou análogo à escravidão. A expansão capitalista na Península Coreana beneficiou japoneses e alguns coreanos assimilados pertencentes a uma classe de administradores e auxiliadores do governo japonês.

É possível separar a dominação japonesa na Coreia em três partes: até 1919; de 1919 a 1932; e de 1932 a 1945. Apesar de viver sob intensa repressão, sempre houve resistência dos coreanos em relação ao domínio japonês. O período de 1905 a 1919, compreendeu um momento no qual os coreanos se organizaram pela sua independência e fizeram manifestações contra a ocupação japonesa. A mais famosa foi a do dia 1º de março de 1919, também conhecida como o “Dia do Movimento” ou ainda “Movimento do 1º de Março”.

O “Dia do Movimento” foi a declaração de independência formal seguida de um levante popular ocorrido em Seul. Inspirados pela assinatura do “Tratado de Versalhes”, em 1919, que libertou algumas colônias e organizado por estudantes coreanos em Tóquio e outros coreanos exilados na China, o movimento culminou na organização de um grupo de nacionalistas que ocuparam as ruas de Seul e outras cidades ao longo de um mês e contou com ampla participação popular. O estopim foi a morte do Imperador Gojong e os rumores de que havia sido envenenado pelos japoneses.

Apesar de reprimidos pelo Exército Imperial Japonês, a partir desse ano, as manifestações pró independência coreana forçaram uma pequena abertura no regime político japonês. Permitiram a publicação de jornais em coreano e foi fundado o Sin’ganhoe – New Korea Society – partido nacionalista independentista que reunia partidários à esquerda e à direita. Em 1925, também foi fundado clandestinamente um partido comunista.

Com o ascenso do nazismo na Alemanha e a progressiva aproximação do império japonês com a ideologia nazifascista e expansionista, o regime na Coreia passou por um aumento da repressão, com a importação de mão de obra coreana para trabalhar no Japão, o alistamento forçado de coreanos no Exército Imperial Japonês e a proibição das religiões coreanas. Em contrapartida, o movimento de independência também aumentou a sua investida. Foi durante esse período que houve maior intensidade de greves e manifestações de rua, além da formação do Comitê para a Preparação da Independência da Coreia.

Fim da II Guerra Mundial e período anterior à Guerra

Estados Unidos e União Soviética terminam a II Guerra Mundial como as duas potências vencedoras, culminando no processo conhecido como Guerra Fria, que durou até 1989. Em 1945, o “Tratado de Yalta”, assinado pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Soviética determinou o fim da II Guerra e dividiu o globo em áreas de influência de ambos os países. Apesar de não ter participado formalmente da guerra, por ser uma colônia vencida do Japão, a Coreia deveria ter se tornado, de acordo com Yalta, um protetorado Soviético. Os Estados Unidos, no entanto, ao final da II Guerra Mundial, invadiram o sul da península em batalha contra o Japão e se mantiveram ali. A “Conferência de Potsdan”, em 1945, acabou por dividir o território coreano em dois, um processo semelhante ao da Alemanha, ao Norte sob jurisdição soviética e ao Sul, governado pelos Estados Unidos. Entre ambos, a área denominada “Paralelo 38°”, determinou a sua separação física, bem como, posteriormente ao armistício de 1953, a Zona Fronteiriça Desmilitarizada entre as duas Coreias.

A ocupação da península coreana não foi algo bem aceito ou acordado com a população local. Ao contrário, se já havia desde a ocupação japonesa movimentações políticas pró-independência, no final da II Guerra o Comitê para a Preparação da Independência da Coreia se dividiu entre nacionalistas de esquerda e de direita acirrando ainda mais a disputa, tanto interna quanto contra e a favor das potências de ocupação.Apesar de todas as diferenças entre si, em 1946, na tentativa de avançar rumo a uma independência democrática na península, ambos os partidos formaram uma coligação transitória que visava organizar os parâmetros da democracia nacional sem a intervenção do Japão ou domínio externo sobre o território. A coligação, no entanto, não atingiu o efeito esperado. Divergências a respeito da participação de japoneses, americanos e soviéticos no governo, de realização da reforma agrária e algumas propostas de igualdade social foram rechaçadas e tornaram-se impeditivos para manter a unidade por muito tempo e ela durou apenas um ano. Além disso, EUA e URSS tiveram papel essencial na deslegitimação de um governo unificado, se negando a reconhecer seu direito e sua direção.

Ao longo dos três anos seguintes, a Coreia tentou de diversas maneiras, seja com coligações, organizações e frentes, instalar a democracia na península de forma pacífica e moderada. Sendo um território que estava divido em diferentes ideologias e, ao mesmo tempo, dominado há quatro décadas por grupos externos, enfrentava não só questões de divergências políticas, como desagregação interna e falta de experiência.

Durante todo o período entre a II Guerra Mundial e a Guerra da Coreia em si, além da organização política formal, ainda houve diversas manifestações massivas contra a ocupação ou de EUA ou de URSS, pela independência real, contra ou a favor da unificação. Além disso, ainda tinha dentro do próprio território a influência e intervenção direta dos EUA e da URSS que financiavam com armas, dinheiro ou lobby internacional um lado ou outro da questão. Todo o território coreano estava organizado com comitês de base, democráticos, que estavam organizando ou tentando organizar o retorno à democracia. No Sul, os EUA proibiram e desmantelaram os comitês. Se aliaram aos grandes latifundiários e aos coreanos que haviam servido ao exército ou à polícia japonesa. Os soviéticos, por sua vez, no Norte, mantiveram a organização dos comitês e, a partir de 1946, obtiveram maioria da direção na maior parte deles via o Partido Comunista Coreano.

Apesar das tentativas, em 1948 houve a primeira eleição em cada uma das Coreias.  Ao Sul, o partido eleito com a presidência de Syngman Rhee, tinha uma linha autoritária e anticomunista. Houve muitos protestos e até uma greve geral contra a sua liderança e contra a ocupação americana no Sul do país. Havia uma tendência entre os coreanos de querer certas reformas de base, além da própria questão da independência, e Rhee havia vivido o período de ocupação japonesa inteiro nos Estados Unidos como exilado e foi levado para a Coreia pelos próprios americanos como aliado político. A reação americana e sul coreana às manifestações contrárias ao governo foi extremamente agressiva e repressora. Milhares de pessoas foram torturadas e mortas, além de muitas terem se exilado e fugido do país.

Ao Norte, Kim Il-Sung, como líder comunista e igualmente autoritário, eleito em eleições direitas também naquela parte do país. Naquele mesmo ano, conforme acordado pela ONU, EUA retirou seus exércitos e, em 1949, a URSS se retirou formalmente do território coreano. Ambas, no entanto, mantiveram influência e foram decisivas durante a guerra que se iniciou em 1950, além do novo elemento da China que havia feito uma revolução socialista em 1949 e era agora, aliada na URSS, além de país fronteiriço à Coreia.

Guerra da Coreia – A Guerra que nunca acabou (1950-1953)

Não há razão étnica, linguística ou cultural para a separação coreana. Há sim, divergências políticas que levaram a uma guerra civil, incentivada e apoiada pelas duas potências internacionais, mas que já estavam gestadas desde antes da II Guerra Mundial em si. O próprio “Paralelo 38”, foi uma divisão aleatória que ocorreu ainda em meio aos conflitos da guerra, proposto pelos EUA e aceito pela URSS. É uma linha, um paralelo, que está há 38° da linha do Equador. Apesar da artificialidade da divisão, durante a ocupação japonesa, o Norte tornou-se uma área mais industrializada e o Sul mais agrícola, o que também refletiu em maior número de trabalhadores de um lado e mais latifúndios e latifundiários de outro.

No período de 1948 a 1950, houve uma série de assassinatos de lideranças e rebeliões massivas e com grande repressão. Além disso, também houve julgamentos públicos de coreanos que haviam colaborado com japoneses durante o período de ocupação militar e brigas entre os próprios grupos políticos internamente. Houve também perseguições aos supostos comunistas e extermínio de muitas pessoas sob esse argumento. Ambos os governos não eram democráticos e operaram expurgos e expulsões internamente ao seu território, além de perseguição, prisão e morte. Além das perseguições internas, também aumentavam o tom de voz, fazendo ameaças mútuas em declarações públicas e provocando com a realização de treinamentos militares próximos à área do “Paralelo 38”.

Oficialmente, a guerra começou em 25 de junho de 1950, com a invasão da Coreia do Norte à Coreia do Sul. Argumentando que Rhee era um traidor do norte e que supostamente havia atirado uma bomba em direção ao “Paralelo 38”, a Coreia do Norte ocupou o espaço do “Paralelo 38” e em três dias havia tomado a capital Seul. Em comparação à Coreia do Sul, a do Norte era muito mais militarizada e amparada. Apesar de não contar com muitos soldados russos, contou com dinheiro e armamentos destes e com muito apoio do exército da China que havia feito recentemente uma revolução socialista. Os EUA e a ONU, por sua vez, condenaram publicamente a ação norte coreana e enviaram tropas da coalizão estrangeira para o território. É possível dividir o conflito em três períodos.

O primeiro foi marcado pela ofensiva do Norte e isolamento do Sul. Do dia 25 ao dia 27, o exército do Norte avançou rumo à área do “Paralelo 38” e rumou sentido a cidade de Seul, capital do Sul. Rhee evacuou a cidade e bombardeou as pontes na tentativa de evitar que o exército do Norte a invadisse. Não só não evitou, como matou cerca de 4000 civis coreanos. Além disso, o presidente do Sul ordenou o assassinato de todos os simpatizantes comunistas que estivessem em seu território, crime de guerra pelo qual foi posteriormente condenado. Apesar dessa tentativa de defesa, o exército sofreu uma intensa baixa e a partir de julho passou a compor e responder às forças da ONU e ao exército americano.

A segunda, naquele mesmo ano, a partir da Resolução 82 do Conselho de Segurança da ONU, que criou uma força multinacional sob comando dos EUA, passou a intervir no conflito ao lado do Sul Coreano. A URSS considerou isso uma violação e uma intervenção americana em um conflito que, a princípio, era uma guerra civil e interna, sobretudo porque houve ataques dos EUA também ao território chinês. A partir de setembro, no entanto, as tropas do Sul, lideradas por americanos e pela ONU, retomaram Seul e passaram a fazer nova ofensiva contra as tropas do Norte.

O exército da Coreia do Sul havia sido reduzido de 100 mil homens para cerca de 20 mil. Sem a força da ONU é possível que tivessem perdido o conflito. No entanto, o exército da ONU liderado pelos EUA, não só tinha mais recursos, como também deferiu golpes fatais na população da Coreia do Norte. Um dos ataques mais agressivos consistia em lançar em cima de civis a arma química Napalm, responsável por infringir queimaduras na pele, nos olhos e nas vias respiratórias de civis.

A terceira parte, de 1950 até o final, foi demarcada pela entrada da China no conflito, em apoio ao Norte e em defesa do seu próprio território ao Sul. A China enviou uma grande quantidade de homens para compor o exército, na sua maioria coreanos vivendo em território chinês. Os soviéticos enviaram à China e Coreia armamentos, alimentos e dinheiro, porém não compuseram em grande número o exército em apoio ao Norte. A partir de 1951, a guerra então passou a ser multinacional ocorrendo em território das duas Coreias e tendo à frente americanos, soviéticos, chineses, sul coreanos e norte coreanos.

A guerra se prolongou em batalhas até o ano de 1953, quando, diante de um impasse, houve a assinatura de um armistício, no entanto, sem declarada a paz. Em teoria, até os dias de hoje, as duas Coreias não assinaram nenhum tratado de paz, o que gera certa ansiedade e tensão entre os dois territórios de forma constante. Estima-se a morte de mais de 1 milhão de pessoas no conflito, além da imputação de diversos crimes de guerra aos países envolvidos.

República da Coreia (Coreia do Sul) e a fama de oásis asiático

Desde a Guerra da Coreia, em 1950, a Coreia do Sul – a Coreia capitalista – passou a ser apresentada no ocidente como um país que deu certo em contraposição à República Democrática Popular da Coreia – a Coreia do Norte – de regime socialista e ditatorial. Nos últimos anos, a Coreia do Sul tem ganhado proeminência na cultura pop graças ao aumento dos filmes feitos e divulgados no Ocidente, bem como o fenômeno internacional e amplamente difundido do K-Pop – música pop coreana. Em contrapartida, ao menos desde 2013, a Coreia do Norte tem sido retratada como a grande vilã em filmes de Hollywood no lugar antes ocupado pela URSS, China e pelos islâmicos.

Há toda uma narrativa no ocidente que coloca a Coreia do Sul como um moderno Estado capitalista desenvolvido e democrático. No entanto, o país não se desenvolveu dessa maneira de forma linear e manteve-se sob sucessivos governos ditatoriais, cujas características não diferem muito das que se acusa o seu país irmão, socialista. Nesse sentido, sob argumento de combate aos socialistas, o estado sul coreano proibiu e puniu movimentos sindicais e sociais, superexplorou e diminuiu os direitos trabalhistas e previdenciários de sua população, bem como exerceu um forte papel intervencionista na economia, amparada e apoiada pelos EUA a partir de auxílio financeiro e militar. Nesse sentido, apesar de apresentado muitas vezes como liberal, pode ser chamado de estado mínimo de direitos, porém foi protecionista e intervencionista na economia durante a maior parte do tempo e contou com forte apoio americano.

Após o armistício, em 1953, o governo sul coreano de Syngman Rhee aceitou a intervenção direta americana através da manutenção de tropas em seu território e com subsídios financeiros que permitiram o crescimento econômico e, sobretudo, industrial ao Sul do Paralelo 38. A burguesia sul coreana, portanto, cresceu de acordo com os investimentos americanos nas indústrias permitidas em um primeiro momento. Diferentemente de outros países que contaram com empréstimos americanos, o governo sul coreano não se desenvolveu às custas disso, mas de donativos americanos e de uma alta taxação de impostos sobre os camponeses.

Em 1960, em um movimento conhecido como “Revolução de Abril”, sindicatos e movimento estudantil derrubaram o presidente Syngman Rhee. O país passou por um período de instabilidade política e econômica até o Golpe Militar de 1961 empreendido pelo general Park Chung-Hee. Park controlou o país realizando profundas intervenções econômicas e financeiras, com uma industrialização acelerada e planificada sob controle estatal. É durante a ditadura que o país passa a ter indústrias de transformação, siderurgia e exploração petrolífera. Chamadas de Chaebols, as empresas formaram conglomerados monopolistas, tendo uma grande empresa central e outras menores dependentes e produzindo exclusivamente para ela. Os Chaebols foram fundados e são controlados por famílias como Samsung, Hyundai, Kia e outras e se sustentaram na super exploração dos trabalhadores e na repressão estatal ao movimento sindical que poderia exigir melhores condições.

Se a Coreia do Sul era um país agrário após a Guerra, durante a ditadura ele se torna essencialmente urbano, com mudanças na produção e migração da população da zona rural para as cidades. No ano de 1980, um ano após o assassinato de Park, Seul é uma capital que tem 9 milhões de pessoas. Cerca de 23% são trabalhadores qualificados e 43% trabalhavam em serviços. O custo da mão de obra, no entanto, era um décimo do pago para um trabalhador alemão e cerca de 50% do salário de um trabalhador mexicano, não há salário mínimo obrigatório legal até hoje no país e nem a obrigatoriedade de descanso semanal remunerado. Nos anos 80 também houve um aumento significativo de pessoas na universidade, fruto da expansão industrial e da urbanização.

A queda e o assassinato de Park Chung-He se dão nesse contexto do aumento da urbanização e do acesso ao ensino superior, no qual houve sucessivas manifestações e levantes contra o regime. Apesar da morte de Park no ano de 1979, a Coreia do Sul não passou a ter um regime democrático e manteve-se sob controle do general Chun Doo Hwan que fechou o regime, reprimiu manifestações e enviou centenas de pessoas a campos de trabalho forçado e a prisão. Chun é também responsável por um dos massacres mais pesados da história recente da Coreia, o Massacre de Kwangju, em maio de 1980. Este permaneceu no poder até 1987, período no qual a Coreia manteve o maior índice de endividamento, mas pôde investir em indústria pesada, gerando capacidade para o crescimento.

Foi na década de 1980 que, apesar da repressão, os sindicatos voltaram a se organizar e o movimento estudantil começou a sair novamente. Os levantes mais importantes ocorreram a partir do ano de 1987, com manifestações que vão desde a questão da democracia até mais direitos civis e sociais. Em 1988, ocorreram pela primeira vez eleições livres na República da Coreia, tendo vencido o candidato da ditadura, mas sem arrefecer necessariamente os movimentos de trabalhadores e sociais.

O fim da Guerra Fria e a Queda do Muro de Berlim, em 1989, alterou significativamente a organização internacional e muitos países passaram a implantar um regime neoliberal economicamente. Na Coreia do Sul isso se caracterizou pela diminuição da intervenção estatal na economia, com muitas privatizações em empresas chave. A crise econômica que abateu os países asiáticos nos anos 1990, aumentou a inflação e desvalorizou os salários, aumentou o custo de vida e o desemprego. Conquistas que haviam sido realizadas na década anterior se perderam parcial ou totalmente. A crise levou à falência ou à venda de alguns chaebols para empresas estrangeiras.

Apesar de alardeada como um grande exemplo a ser seguido na Ásia como país membro da OCDE e considerado pelo FMI como um desenvolvido, a Coreia do Sul é hoje um país extremamente desigual. A renda média de um Sul Coreano é 60% da renda média de um americano, por exemplo. Além disso, questões envolvendo aspectos da democracia, como a condenação de presidentes por corrupção ou por uso de seu cargo de poder para obter ganhos pessoais, ocorreram com frequência nas últimas duas décadas.

A capital Seul é a segunda maior metrópole do mundo e a Coreia do Sul a maior nação em termos de densidade populacional do mundo. Além disso, é a 13º maior economia mundial também.

2ª Etapa: O filme em si - Produção, história e Oscar

Produção

O filme foi lançado no final de 2019, já arrecadou mais de 161 milhões de dólares e atingiu mais de 10 milhões de espectadores somente dentro da Coreia. Além do Oscar em 2020, o filme ganhou a Palma de Ouro de Cannes, algo que não ocorria desde 1950. Parasita foi o primeiro filme em língua não inglesa que ganhou o Oscar de melhor filme. Além disso, ganhou o prêmio de melhor direção, roteiro original e filme estrangeiro.

A vitória de Parasita como melhor filme tem significados muito profundos. Primeiro pela premiação propriamente dita ser de “melhor filme” e não somente de “melhor filme estrangeiro”, o que demonstra certa abertura para o reconhecimento de que cinema não é aquele feito somente nos Estados Unidos ou Hollywood. Segundo, por se tratar de um país modelo de desenvolvimento e que se contrapõe ao modelo comunista do Norte, expor as fragilidades e as questões sociais também causa um impacto ao grande público.

Curiosamente, a temática da desigualdade apareceu em outros filmes indicados ao Oscar também, como o caso do Coringa. Há uma crise financeira que se prolonga desde 2008 internacionalmente que inspirou algumas produções, mas não só, obteve reconhecimento de ser essa uma demanda e, ao mesmo tempo, foi vitoriosa na premiação cinematográfica. Apesar de o filme se tratar de uma língua completamente estranha ao ocidente, usando inclusive caracteres diferentes do alfabeto que estamos acostumados, a pobreza é um valor universal e em todos os lugares é vivenciada de alguma maneira pela imensa maioria da população. Da mesma maneira, a riqueza está presente e ambas coexistem, tal como parasitas mutualmente.

História do Filme

O filme conta história de duas famílias em situações diferentes. A família Kim e a família Park – coincidência ou não, justamente o nome dos dois ditadores coreanos. Ambas são compostas por um casal de filhos, o pai e a mãe. A família Park é de classe média alta e mora em uma casa planejada por um arquiteto, na qual há um amplo quintal onde bate sol, sala, quartos, um closet e banheiro com banheira. O pai trabalha em alguma empresa de tecnologia em um cargo de liderança. A mãe não trabalha fora de casa e se encarrega da administração do lar, no caso da organização de empregados e de seus pagamentos. A filha mais velha está estudando para ingressar na faculdade e o mais novo é uma criança hiper ativa e criativa.

A família Kim, por sua vez, mora em uma casa subterrânea em um bairro pobre da cidade. O pai faliu dois restaurantes que havia aberto e estava desempregado. A mãe era uma ex-atleta que também não trabalha fora, é dona de casa. O irmão mais velho tentava ser admitido na universidade sem sucesso há quatro anos e a irmã mais nova havia parado de estudar por não conseguir pagar as aulas.

As duas famílias se cruzam quando o filho mais novo é indicado por um amigo para cumprir o papel de tutor de inglês da filha dos Park e, a partir daí, consegue colocar toda sua família para trabalhar na casa, assumindo outros postos sem que os chefes saibam que são membros da mesma família. Para isso, elaboram estratégias para demitir os funcionários anteriores, como o motorista e a governanta.

No aniversário do filho mais novo, os patrões viajam e a família Kim aproveita para usufruir um pouco da casa deles, tomando banho na banheira, comendo e bebendo. Eles descobrem que a ex-governanta mantém seu marido há quatro anos vivendo em um búnquer subterrâneo na casa e que os patrões não têm conhecimento. É a partir desse momento que o filme dá uma reviravolta, já que os patrões voltam da viagem por causa da chuva. Os novos empregados entram em confronto físico com a governanta e seu marido e essa morre, gerando uma grande revolta em seu marido que fica preso no porão, amarrado pelo senhor Kim.

A família Kim volta para sua casa e descobre que perdeu seus móveis e coisas pessoais durante um alagamento provocado pelas fortes chuvas. Dormem, portanto, em um ginásio para onde vão as pessoas de seu bairro e usam roupas doadas naquela noite. No domingo, a família Park decide fazer uma festa surpresa para o filho mais novo e convoca todos os membros da família Kim, como empregados para trabalhar na festa. No meio das comemorações, o marido da governanta escapa, mata a filha mais nova da família Kim, é morto pela mãe dela e Sr. Kim acerta uma facada em Sr. Park, Kim foge e Park sobrevive.

3ª Etapa: Debate em sala - Quais temas podem ser debatidos com os estudantes em sala de aula?

Quem é o parasita?

O primeiro debate que o filme pode suscitar é: Quem parasita quem? Biologicamente, parasita é um ser de uma espécie diferente, que se aloja no corpo de outro ser vivo e passa a usufruir de seus nutrientes e alimentação, causando doença nos ser hospedeiro. As relações de classe são internacionais. Nesse sentido, pode-se questionar se um parasita o outro, se todos se parasitam, ou ainda, se ambos parasitam outro local ou espaço.

De um lado, temos a família Kim, que usou de métodos questionáveis para tirar de seu caminho os outros trabalhadores da casa e mentiu para empregar todos os parentes na mesma condição, comeu de sua comida e bebeu de sua bebida. De outro, a família Park que usufrui dos serviços de trabalhadores domésticos e não realiza uma tarefa em seu próprio lar, desde a educação dos filhos, comida, limpeza, até dirigir o próprio carro e fazer as compras em supermercados. Além disso, a família sente-se à vontade para trazê-los para trabalhar em um domingo, sem aviso prévio, apenas para realizar a vontade ou o capricho de fazer uma surpresa para o filho.

Há também a figura do marido da governanta e ela própria. Ambos não tinham casa, ela vivia lá, enquanto trabalhadora doméstica de tempo integral, e ele vivia no búnquer como parasita da casa dos Park, comendo de sua comida, usando sua luz e água gratuitamente e morando em seu terreno sem pagar aluguel, ainda que pese suas péssimas condições de vida.

Classe social e arrivismo

O filme inquestionavelmente aborda as questões de distintas classes sociais. No entanto, não a faz do ponto de vista clássico no qual o pobre é contrário ao rico, mas de um ponto de vista onde o pobre deseja ser o rico, deseja ter o que tem o rico e, para isso, topa realizar falcatruas, pequenos golpes para obter sustento ou até crescimento pessoal. O tempo todo o pai fala com seus filhos de ter um plano para sair daquela situação de miséria e de pobreza que os aflige.

Ao contrário de o rico gerar repulsa, num primeiro momento ele gera atração. Passar a perna em pessoas em condições iguais torna-se uma regra válida justificada pela sua então pobreza também. Não se unificar com uma pessoa em uma situação semelhante e vê-la como concorrente também te torna um imperativo autorizado pela condição de vida em questão.

Classe social e condição de vida

A classe social em que vivem os três grupos alteram a sua percepção da realidade e sua existência em si, a começar pela casa onde vivem cada uma das famílias. A família Park mora em uma casa muito maior do que necessário para quatro membros, com sol batendo em um imenso quintal, no qual conseguem erguer uma barraca de acampamento para o filho, ter um depósito de comida e uma grande cozinha, além de uma ampla sala de estar com uma janela enorme para entrada da luz solar. Nessas condições, para eles, a chuva torrencial que cai naquela madrugada em que voltam de viagem, cumpre apenas o papel de refrescar, de molhar a grama do quintal e de fornecer diversão para seu filho mais novo. Sua casa é tão grande, que eles sequer se dão conta da existência de um búnquer no subsolo.

Para os Kim, no entanto, que moram na parte baixa da cidade, local para onde toda a água da parte alta escoa e o rio sobe, a chuva significou perder as poucas coisas que tinham. Sua casa ficava em uma parte mais baixa que a altura da rua e a ausência de cômodos adequados, formas de escoamento de esgoto e de absorção da umidade fez com que perdessem, inclusive, suas roupas, comida, livros e lembranças pessoais. É diante dessa situação de dura realidade que Sr. Kim conversa com os filhos sobre o direito ou não de fazer planos e como as adversidades da vida faziam com que eles não tivessem tantas opções assim para sair da situação em que se encontravam.

Se por um lado a família Kim não podia fazer planos, por outro, a família Park pôde, sem planejamento algum, fazer uma festa surpresa para seu filho mais novo, já que dispunha de dinheiro, de funcionários e de espaço físico para isso. Para os Kim a chuva significou perder tudo, para os Park, significou que o céu estava aberto e poderia ocorrer uma festa no quintal sem incômodos.

Apesar de haver um certo ar de convivência pacífica entre ambos, já que está colocada uma relação de simbiose na qual um não vive sem o outro, a questão das condições de vida também aparece no cheiro que o pai, a mãe e o filho caçula sentem presentes na família Kim. Sr. Park o descreve como o “cheiro de pano fervido”, lembrando cheiro de algo molhado, mofado, sem sol, sem condições adequadas. É a repulsa ao cheiro que aciona no Sr. Kim a raiva final que leva à tentativa de assassinato de Sr. Park.

As condições de classe também são justificativas para que ambas as famílias sejam autocentradas. No caso da família Kim, a sobrevivência é justificativa – até certo ponto – para realizar as trapaças e no caso da família Park, para chamar os funcionários para trabalhar domingo, ligar para a governanta e pedir para preparar um prato de comida em oito minutos e para, na parte final da festa, não se importar com a funcionária esfaqueada no meio do quintal ou até com a luta física travada entre a mãe Kim e o marido da ex-governanta, mas apenas em seu filho que havia desmaiado de susto.

Relação com os EUA e o inglês, referências à Coreia do Norte e outros exemplos de desigualdade

Outros elementos que podem ser debatidos e problematizados são em relação à própria história da Coreia do Sul. Os nomes Kim e Park, a referência ao Paralelo 38 que o Sr. Kim faz quando desliga o GPS e fala que conhece tudo até esse pedaço e a imitação da antiga governanta das âncoras do norte, como se fossem todas iguais e todas fossem máquinas.

Outra curiosidade é a cultura do escoteiro e a fantasia de indígena americano, que remete ao pioneiro e ao avanço para o Oeste Americano, ao código morse e os walkie talkies, que citam diretamente a cultura da Guerra e a ironia de afirmar que a Coreia do Sul é o país com mais tuberculose dos membros da OCDE, ou seja, apesar de membro dos países desenvolvidos, apresenta alto grau de uma doença que ocorre graças à falta de saneamento, moradia e acesso a tratamentos simples de saúde.

4ª Etapa: E no Brasil?

– Atividade de reflexão e/ou escrita

A partir do debate feito anteriormente e da leitura das reportagens abaixo, elabore um texto reflexivo de pelo menos 30 linhas com o tema: “Chuvas, enchentes e efeitos na realidade do Brasil”.

Chuva causa prejuízo de R$ 110 milhões ao comércio em São Paulo. – Site Agência Brasil.

Ceagesp perdeu 7000 toneladas de alimentos com chuvas em SP. Jornal Folha de São Paulo.

Chuvas deixam mais de 500 desalojados e 142 desabrigados em São Paulo. Jornal Metro.

Dicas:

– O site Korea Post reúne uma série de artigos que vão desde História à cultura pop contemporânea.

– O site Revista Koreian, apresenta muitos debates e matérias sobre atualidades e cultura pop corean.

– Sobre a representação da Coreia do Norte no cinema Hollywoodiano:

Revista Veja: “Coreia do Norte: a nova vilã também em Hollywood”.

– Linha do Tempo dos Principais Eventos ocorridos na Coreia do Sul no Século XX:

Revista BBC Brasil: “Linha do Tempo: Coréia do Sul”

– Sobre a indústria cinematográfica e cultural da Coreia:

Revista Glamurama: “Conheça Miky Lee, a magnata coreana que está agitando Hollywood e sem a qual “Parasita” dificilmente teria levado o Oscar”.

– Matéria no site G1 com sugestões de outros filmes sul coreanos para conhecer o cinema:

Site G1: “Cinema Coreano além de Parasita: 10 filmes para conhecer melhor a produção do país”.

Materiais Relacionados

– Sobre a ocupação Japonesa na Coreia:

1 – Site Aula Zen: “A ocupação da Coreia pelo Japão”.

2 – MARTINS, Charles. A ocupação da Coreia pelo Japão [História]. Site Korea Post.

3 – OLIVEIRA, Alana Camoça Gonçalves de. O poder militar do Sol Nascente: o Japão, a militarização e o entorno regional. In: Revista Brasileira de Estudos de Defesa. Vol. 04, nº 01, jan/jun. 2017 pp. 203-228.

– Sobre o movimento nacionalista coreano:

4 – VISALLI, Dana. Coreia: um pouco de história explica tudo. Site da Revista Ópera.

5 – MONTEIRO, Carol. As origens da Guerra da Coreia [História]. Site Korea Post.

6 – MONTEIRO, Carol. As eleições de 1948 e o surgimento das duas Coreias. Site Korea Post.

– Sobre a Guerra da Coreia e a divisão em dois países:

7 – FELIPPE, Fabricia. Repensando a Guerra da Coreia: O papel das grandes potências na criação e perpetuação do conflito na península coreana. Trabalho de Conclusão de Curso: IBMEC – Relações Internacionais. Rio de Janeiro, 2019.

8 – NEVES, Daniel. Guerra da Coreia. Site Brasil Escola.

– Coreia do Sul como modelo:

9 – TOUSSAINT, Eric. Desvendando o milagre da Coreia do Sul. In: Site Movimento em Revista.

10 – MORGADE, Alba. Os “fantasmas” do racismo na Coreia do Sul, um dos países mais prósperos do mundo. In: BBC News Mundo.

11 – SANTANA, Ana Lucia. Coreia do Sul. Site InfoEscola.

– Sobre o Filme “Parasita”:

12 – SULBARÁN, Patrícia. “Parasita”: por que o filme sul coreano está fazendo história em Hollywood. Revista BBC Mundo.

13 – Parasita mostra a sociedade em canibalismo. Site Canaltech.

14 – Parasita: Tudo sobre. Site Omelete.

15 – DIAS, Tiago. Todo mundo só fala de Parasita – e não é só por causa do Oscar. Site TAB – UOL.

16 – USUEROS, Ana. O Cheiro dos pobres. Jornal El País – Brasil.

17 – TAVARES, Pedro. Entre escadas e janelas: a força de Parasita. Site Porco Espinho.

– Dicas de como usar filmes como recurso didático:

18 – 7 dicas de como usar filmes como recurso didático. Site Brasil Escola.

Arquivos anexados

  1. 2020_Plano de aula_FILME PARASITA_Mayra Mattar Moraes

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