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Correspondências;
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Objetivos

Conhecer a função da correspondência na reflexão do fazer literário;

Entender a correspondência como registro de uma época;
Entender a relação das cartas com as novas formas de comunicação escrita.
Estudar um exemplo de correspondência entre escritores modernistas;
 

1ª Etapa: Conhecendo a correspondência entre dois modernistas

Inicie a aula lendo um trecho de uma carta escrita por Mario de Andrade, endereçada a Manuel Bandeira:

 

“Não imaginas quanto sou sensível à tua amizade e sinceridade. Deixa-me que te diga com toda abundância de coração que tu és hoje para mim um dos meus maiores amigos, isto é, um homem junto do qual eu sou eu, ser aberto que se abandona. Creio nas afinidades eletivas. ” (Mário de Andrade, 22 [maio 1923]).

 

A tua carta desvaneceu-me grandemente pela amizade e confiança com que nela te abriste. Acredito também nas afinidades que nos relacionam e tenho para mim que são sobretudo de ordem moral. ” (Manuel Bandeira, 31 [maio 1923]

 

Converse com a turma sobre o que mais chama a atenção na conversa entre os dois. Observe se reconhecem havia grande confiança em entre os autores, concedendo a ele não só o papel de leitor e crítico de suas obras como também bom apreciador e amigo. Apresente para os alunos a carta de Mario de Andrade enviada a Manuel Bandeira em 29 de setembro de 1924:



“Manuel,



Aí vai. Mais uma vez obrigado pelo Anto.



Escrevi Clam com eme, quero nacionalizar a palavra. Que achas? Tomar-me-ão por besta, naturalmente. Isso não tem importância, aliás. Examina a pontuação que adotei atualmente. O mínimo de vírgulas possível. A vírgula a maior parte das vezes, sabes, é preconceito de gramático. Uso dela só quando sua ausência prejudica a clareza do discurso, ou como descanso rítmico expressivo.

Também abandonei a pontuação em certos lugares onde as frases se amontoam polifônicas. Que achas?



Das duas partes que desconheces do livro uma ponho a mão no fogo por ela. “Campos do Jordão”. A “Suíte polifônica” desagrada-me e agrada-me. Hesito horrivelmente. Estou com vontade de desmanchá-la e aproveitar só dois outros trechos: “Maxixe” certamente; “Onestep”, “Foxtrot” e talvez “Tango”. Socorro-me! Então daria ao Clam, para conservar 5 parte, uma nova de poemas soltos nacionais de que conheces um dos milhares: a “Noite de S. Pedro”. O livro talvez ficasse mais unido, não? (…)

 

Ciao. Abraços.



Mário.”

 

Destaque a preocupação dos escritores modernistas com o uso da língua portuguesa, contando aos alunos que houve muitos estudos e pesquisa sobre língua portuguesa. Buscava-se valorizar o uso de uma língua tipicamente nacional, marcando as características do português brasileiro. Note que o nome do livro deveria ser colocado em português, segundo ele. Apresente aos alunos o trecho de outra carta a Manuel Bandeira, de junho de 1925, em que ele esclarece seu posicionamento sobre o caráter nacional necessário para sermos verdadeiramente uma pátria:

“Minha idéia exata é que é só sendo brasileiros isto é adquirindo uma personalidade racial e patriótica (sentido físico) brasileira que nos universalizaremos, pois que então concorremos com um contingente novo, novo assemblage de caracteres psíquicos pro enriquecimento do universal humano.”

 

Converse com os alunos sobre o projeto nacional do Modernismo brasileiro, que visava à construção de uma identidade nacional a partir do que nos caracterizava como pátria, tendo a língua portuguesa (ou brasileira) grande importância nesse sentido.

 

Além disso, mostre que autor reflete sobre seu processo de criação, buscando encontrar o ritmo e sonoridade que deseja exprimir no poema. Mostre que a cumplicidade com o amigo é bastante grande, já que ele pede socorro para auxiliá-lo em suas dúvidas.

 

Discuta com os alunos sobre o processo de criação artístico, como eles imaginam que seja. As obras saem prontas? Há revisão? Há dúvida? Mostre que até mesmo escritores renomados possuem dúvidas sobre o que escrevem, pois procuram a forma exata para exprimir o que desejam.

 

Ouça a turma: como eles produzem os próprios textos? Revisam? Eles se lembram de algum texto em que pediram ajuda para os amigos? Retome o registro do bate-papo sobre novas formas de correspondências. Converse sobre o conteúdo dessas mensagens. Verifique se eles comentam sobre a extensão e o conteúdo dessas mensagens, apontando sobre a permanência ou não desses registros como marca de uma época.

 

2ª Etapa: Qual é o papel das correspondências entre escritores?

Inicie a aula apresentando aos alunos o título da notícia a seguir:

 

Livro traz correspondências de mentes brilhantes

 

Grandes ideias não precisam ocupar grandes livros. Personalidades geniais concentraram belos e complexos pensamentos em missivas breves

 

MARCOS CORONATO                                                                                     27/02/2015 

 

Há muitos motivos para gostar de cartas – elas funcionam como delicadas cápsulas do tempo, a preservar sutilezas e segredos do pensamento. Elas convidam o autor, confiante na intimidade da correspondência, a expor ideias, desejos e medos que não confessaria em público. Hoje, e-mails assumiram essa função. Mas, impalpáveis, de existência frágil, sempre a um clique do extermínio, não oferecem um refúgio seguro às pequenas histórias da vida privada – ou às grandes correspondências, destinadas, em algum momento, à posteridade. A historiadora britânica Sarah Pearsall, da Universidade de Cambridge, considera  o gênero epistolar o preferido dos viajantes, migrantes e refugiados – e, principalmente em períodos turbulentos, “nos esclarecem sobre os conceitos fluidos de privacidade, segredo e confiança”. Gosto especialmente delas porque obrigam o autor a concentrar, em poucas linhas, o que há de mais intenso em suas opiniões e seus sentimentos.

 

Converse com a turma sobre o tema, o fato de a carta ser uma espécie de cápsula do tempo. Pergunte para os alunos por que poderia ser assim classificada. Ao ouvir o que dizem, observe se eles vêm a correspondência como um documento que registra uma época. Caso as respostas não toquem nessa questão, conte que vários autores mantiveram uma vasta correspondência com vários amigos, entre estão Mário de Andrade e Manuel Bandeira, outro escritor do mesmo período.

Levante com eles as informações que as cartas podem dar a respeito de uma época e da relação entre as pessoas. Anote tudo o que os alunos falarem na lousa para que possa retomar e associar com o que se apresenta na obra.  Em seguida, leia com eles o trecho a seguir do prefácio escrito por Manuel Bandeira para o livro organizado por ele em 1958, com a publicação dessa correspondência:

 

“Além de retratarem com tanta verdade o seu autor, são estas cartas do maior interesse para a compreensão de sua obra, sobretudo de sua poesia, porque o meu saudoso amigo costumava expor-me a motivação, gênese e trabalhos de construção de suas produções, quer se tratasse de um romance, de um ensaio, de um livro didático, ou de um simples poema. Pedia-me opinião e crítica. Eu dava-as. Ele redarguia. Discutíamos. Eram longas missivas “pensamentadas”, como certa vez ele as qualificou.”

 

Chame a atenção para os aspectos em destaque que mostram a importância do estudo dessas correspondências, pois elas podem trazer informações importantes para o entendimento do autor e sua obra. Chame a atenção para as “missivas pensamentadas” e explique aos alunos que a palavra ‘missivas’ significa ‘cartas’ e pergunte que significado eles atribuiriam a “pensamentadas”. Observe se os alunos reconhecem que a correspondência entre esses amigos serve como momento de reflexão, trazendo também muitos aspectos pessoais. Nesse sentido, ‘pensamentadas’ tem total relação com o conteúdo das cartas que eram não só pensamentos, questionamentos, como também uma conversa entre amigos.

3ª Etapa: O olhar sobre o fazer artístico de Mário de Andrade

Inicie a aula lendo um trecho da resposta de Manuel Bandeira para a carta de Mário:

 

“Mário,



Aqui vão de volta os teus poemas. Li-os, reli-os e, como fiz de outras vezes cortei, emendei, ajuntei, pintei o sete! Tudo, porém a lápis e levíssimo, de sorte que facilmente se apagam” fiz como se os versos fossem feitos só para mim e muitas vezes mesmo por mim. Sou o teu maior admirador, mas a minha admiração é rabugenta e resmungona.



Penso como tu que a “Suíte polifônica” deve ser amputada. Não lhe achei grande interesse salvo, bem entendido, o “Maxixe”, que é notável e merece ser incluído como poema solto. O resto, não me parece que esteja em moderno maior e saiu um Mário menos. Tem o valor das duplicatas nas coleções de selos ou de moedas. O “Maxixe”, porém, é singular e pertence inegavelmente ao Clan. E eu quero, para o meu gosto, que todo o Clan seja de parentes bem chegados. E completamente jabuti: cabecinha para dentro e venha o mundo abaixo, – inatacável.



Clan com n. com m é que fica estrangeirado, nem se sabe o que é à primeira vista. O a nasal no fim das palavras representa-se hoje por na ou ã. No antigo português era ora com m, ora com n, conforme a etimologia. Mas as formas em am evoluíram para ão: tam, quam e todas as 3as pessoas do plural dos verbos: amam, amaram. Isso nas palavras originárias do latim. Nas que vieram do tupi ou da África também se transcreveu o a nasal por na (nhannhan, Itapoan, Ibirapuitan etc) ou clan ou clã. Mas para que mudar? Todo o mundo já está habituado com o n.



A “Noite de S. Pedro”, naturalmente Quais são os outros poemas soltos de que falas? Preciso vê-los. 



Foi muito interessante para mim coteja o novo texto do “Carnaval carioca” com a cópia que me tinhas mandado o ano passado. Algumas emendas estão boas. Outras me pareceram infelizes. Vi que em muitos casos emendaste levando em conta o sentido exato dos vocábulos. Mas com isso prejudicaste os valores líricos. Um exemplo:



Tinhas escrito:



“E o excesso goitacás, pardo, selvagem”



Emendaste



“negro, selvagem”



Refletiste que pardo era tom neutro, mestiço, menos selvagem. Não há dúvida. O critério semântico faz preferir negro. Mas o valente valor lírico que há naquele pardo!



“E o excesso goitacás, pardo, selvagem”.



Pardo é ali insubstituível. Não se pode mudar nem uma letra. Ponha bardo ou perdo, pasdo, pasto, parda e não é a mesma coisa. Milagre verbal, meu caro Mário, tem que se respeitar. A gente toca com eles no momento da inspiração. Depois vem o juízo, a inteligência e não sei que mais e começam a soprar coisinhas. (…)”

 

Chame a atenção dos alunos para o início da carta: Manuel faz revisões e comentários sobre os poemas do amigo, com muito cuidado, sendo bastante respeitoso, porém ressalta que é “rabugento”, ou seja, apesar da amizade precisa dizer verdadeiramente o que pensa sobre o texto do outro.  

 

Em seguida, comente os ajustes sugeridos por Manuel Bandeira, destaque o caráter didático do trecho em que explica a presença do n ao final de Clan. Mostre que o conhecimento sobre a língua e, também, sobre a cultura (como na questão da palavra ‘pardo) são essenciais para que os apontamentos possam ser considerados.

 

Mostre que essas correspondências são amplo material não só para conhecer o fazer poético de cada autor, como também para entender as ideias que trocavam sobre o projeto nacional do modernismo. A busca de uma identidade nacional e ao mesmo tempo universal é tema desse período artístico. 

 

4ª Etapa: Fechamento

Inicie a aula apresentando o bilhete a seguir, escritor por Tom Jobim para Vinícius de Moraes:

 

Mamãe me contou que quando criança tive uma vitrolinha que tocava ‘Dorinha Meu Amor’ com Mário Reis. Diz que eu tentava cantar junto. Mas era música de gente grande. Hoje, que diferença, as crianças têm a Arca toda e tudo o mais! Hoje é meu filho quem canta junto e eu continuo compondo com Vinicius de Moraes. Vinicius é craque!’

 

Bilhete de Tom Jobim para Vinicius de Moraes, com texto de apresentação do musical Arca de Noé (setembro de 1981)

 

AMIZADE 

 

A arte do encontro de Tom e Vinicius

 

Chame a atenção dos alunos para o trecho em destaque, mostrando que temos um registro de que havia poucas obras musicais voltadas para público infantil com a qualidade da Arca de Noé. Além de um elogio a Vinícius de Moraes.

 

Em uma reportagem da Revista Época (link na Seção Saiba Mais), afirma-se que as cartas auxiliam na reconstrução de biografia, leia com os alunos um trecho da reportagem:

 

As cartas ajudam a reconstruir biografias, contam a história da vida privada e do país, desvendam a formação e a evolução do estilo de grandes escritores. Mas há um último – e determinante – elemento de fascínio: a possibilidade de invadir a intimidade dos remetentes. ‘A curiosidade por cartas revela voyeurismo’, diz a professora de teoria literária da USP Walnice Nogueira Galvão. ‘É a chance de fuçar gavetas e papéis íntimos.’

 

Para Walnice, o crescente interesse pelas cartas seria fruto de uma ressaca da informatização. ‘Há uma corrida para salvar esse material, antes que desapareça.’ Teresa Montero também acha que, em tempos de correio eletrônico, é normal que cartas virem objetos de fetiche. ‘Imagine, ver a caligrafia das pessoas. Hoje isso é tão raro…’ Machado, da Record, discorda. ‘O correio eletrônico resgata a troca de idéias por escrito’, acredita. ‘Não duvido que, dentro de alguns anos, seja possível fazer compilações de e-mails’, diz.

 

Pergunte aos alunos se eles mantêm alguma troca de conversas escritas para além do WhatsApp e Facebook. Caso só usem esses aplicativos, questione quais as principais diferenças entre esses registros atuais e as ‘missivas’ que estão conhecendo agora. Anote os comentários dos alunos.

 

Peça para que se dividam em grupos e opinem sobre a questão apresentada anteriormente, considerando o ponto de vista apresentado no texto da Revista Época. A partir da leitura integral da reportagem, peça para que os alunos escolhem um redator para que produzam um texto coletivo com o posicionamento deles. Em outro momento, organize os grupos para que façam uma revisão do texto produzido. Peça para que troquem os textos e escrevam comentários auxiliando os colegas a fazerem a reescrita.

 

Materiais Relacionados

Para conhecer mais sobre correspondência entre escritores e leitores, assista no link.

 
Para ler mais sobre correspondência entre escritores, leia a reportagem da Revista Época, disponível no link.
 
CANDIDO, Antonio. “O Mario que conheci”. Disponível no link.
 
MORAES, Marco Antonio. “Curtos-circuitos na correspondência Mario de Andrade e Manuel Bandeira” In: Remate de Males. Campinas-SP, (33.1-2): pp. 135-147, Jan./Dez. 2013.Disponível no link.
 
MORAES, Marco Antonio (org.) Correspondência: Mário de Andrade e Manuel Bandeira. 2.ed., São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo – IEB, , 2001.
 

Arquivos anexados

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