Apesar das recentes notícias da oferta de cursos abertos massivos online (MOOCs) por instituições brasileiras, parece difícil que o formato ganhe maior relevância na educação brasileira, principalmente em associação ou complementação ao ensino superior, como tem ocorrido nos Estados Unidos. Os motivos para essa situação são variados, entre eles: a insuficiente demanda do ponto de vista interno e externo ao país, a infraestrutura tecnológica e a renda da população brasileira.

O primeiro aspecto (baixa demanda) se justifica, sobretudo, pelo número limitado de brasileiros que chegam ao ensino superior. A educação secundária ainda representa uma barreira para um acesso mais ampliado à educação superior. Os indicadores educativos de países membros da OECD recentemente divulgados (Education at a Glance 2013: OECD Indicators, OECD Publishing, 2013) mostram isto com clareza. Assim, dentre a população de 23 a 64 anos, o Brasil possui um índice de 43% de pessoas que ao menos ingressaram no secundário; nos EUA e no Chile esses percentuais são de 89% e 72%, respectivamente. Esta realidade impacta nos dados de ingresso no nível pós-secundário, que são nos Estados Unidos de cerca de 42% (68,9 milhões de pessoas) contra apenas 12% (11,7 milhões) no Brasil.

Na verdade, deficiências formativas acumuladas fazem com que mesmo parte dos estudantes brasileiros que atinge o nível universitário tenha dificuldades para conclui-lo. O ensino online e a educação a distância tendem a ser mais úteis a indivíduos com boa disciplina de estudos e base formativa – que inclui um nível de letramento digital adequado. Paradoxalmente, tais formatos exigem mais do aluno e não menos, como muitas vezes se pensa.

Os MOOCs são cursos de produção cara, e requerem, por isso, matrículas altas. Quando oferecidos por instituições de credibilidade internacional e numa língua com grande número de falantes, como o inglês, é possível que a internacionalização do curso permita ingressos globais – alguns MOOCs possuem a maioria de seus alunos de fora das fronteiras dos EUA. Isto dificilmente aconteceria no Brasil. Os sistemas universitários – e educativos de maneira geral – dos países lusófonos sequer possuem, no momento, uma articulação que favorecesse iniciativas de MOOCs nestes espaços. O fato de que grande parte da população universitária brasileira é monoglota chega, inclusive, a restringir a entrada dos MOOCs estrangeiros (o que talvez pudesse impulsionar iniciativas locais). É nesta brecha que se situam algumas iniciativas de tradução de conteúdos das universidades e MOOCs dos Estados Unidos.

A necessidade de acesso por banda larga para a feitura de MOOCs, tendo em vista que eles possuem muitos vídeos e requerem participação dos estudantes, aponta outra dificuldade de adoção do formato no Brasil. Apesar da ampliação do número de pessoas que utilizam este serviço e possuem aparelhos de informática, a disseminação destes itens relacionados com a inclusão digital é ainda incompleta e marcada pela renda. Conforme os dados da pesquisa TIC Domicílios e Usuários 2012, a posse de computador ocorre em 70% das residências brasileiras e somente 40% dos lares possuem acesso à internet. O uso deste serviço tem forte relação com a renda familiar, de modo que 91% das residências com renda maior que 10 salários mínimos têm acesso à web, enquanto apenas 22% das residências com renda entre 1 e 2 salários mínimos possuem este serviço.

Aspectos como estes é que fazem com que uma acadêmica como Eunice Durham (As quotas sociais nas universidades paulistas, 20/03/213), ao defender algum tipo de formação preparatória para favorecer o ingresso de estudantes nas universidades públicas, rejeite um modelo não presencial. Ela observa que “a população mais pobre e menos escolarizada não tem, em casa, os equipamentos disponíveis nas escolas, nem os lugares adequados para o estudo”. Além disso, faltaria, numa opção de ensino a distância, “o estímulo da sociabilidade escolar” e “mesmo a disciplina do estudo autônomo”.

A desconfiança sobre as modalidades não presenciais na educação superior também dificulta a disseminação de MOOCs no Brasil. Nessa perspectiva, pode-se notar que algumas críticas à proposta dos dirigentes das universidades estaduais paulistas de inclusão social e étnico-racial, a partir do Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista (Pimesp), questionam justamente o modelo do “college” – particularmente sua dimensão online. Para a professora Lilia Schwarcz e outros dois docentes, o modelo privaria os alunos das “possibilidades que a convivência universitária pode trazer” e, portanto, da “experiência universitária de nossos campi, de maneira plena e cidadã” (Cotas em diálogo, Folha de S.Paulo, 12/03/2013). Aqui existem ecos da visão (discutida no artigo anterior) sobre o papel de um “ambiente” e de uma “convivência universitária”, capazes de promover uma experiência sui generis na educação superior.

Tendo em vista tal cenário, o acompanhamento e a discussão sobre os MOOCs são válidos para os brasileiros?
Sim, pois é possível que nos beneficiemos do aprendizado a partir dos erros e acertos alheios: a literatura de pesquisa sobre o assunto cresce, assim como os relatórios institucionais sobre as experiências – como, respectivamente, esse balanço sobre os MOOCs de uma instituição de pesquisa da Espanha e esse relatório técnico da Universidade de Edimburgo.

Além disso, novas ideias podem surgir; se os cursos massivos para a educação superior parecem menos viáveis no Brasil, existe um amplo campo ligado a conhecimentos e competências importantes para os quais eles podem colaborar. O governo paulista tem, por exemplo, oferecido cursos majoritariamente online de inglês e espanhol a professores e alunos do ensino médio, tendo a expectativa de atender a 55 mil interessados, em 2013.

O âmbito da formação para a cidadania, para a participação dos jovens e adultos nas questões importantes de suas vidas e do país é também uma área em que cursos online podem ser úteis. Eles poderiam ser oferecidos tanto por instituições estritamente educativas, como as universidades, quanto por órgãos especializados em determinado tema – por exemplo, o Procon ou ONGs voltadas a questões sociais relevantes. Enfim, há uma interessante margem para experiências que merecem estímulo, atenção e análise.

É difícil saber se os MOOCs vieram para ficar, mesmo no contexto dos EUA. Isto só o tempo vai dizer. Porém, uma tendência forte, no Brasil, e que tende a se conectar cada vez mais a estratégias online, é a EAD no ensino superior. Esta é já uma realidade concreta no país, onde esta modalidade, apesar das críticas que recebe, é em parte responsável pela expansão de matrículas nos anos recentes. Mostraremos dados e algumas discussões sobre esse aspecto, no próximo artigo para o NET Educação. Talvez o que possamos aprender com os MOOCs possa ter valor também nesse âmbito mais ligado à nossa realidade.

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Autor Richard Romancini

Richard é doutor em Comunicação, pesquisador e professor do curso de pós-graduação lato-sensu em Educomunicação da ECA-USP.

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