Conteúdos

Carlos Drummond de Andrade
Claro enigma
Reflexão filosófica

Objetivos

Conhecer o escritor Carlos Drummond de Andrade.

Conhecer o livro de poemas Claro enigma.
Compreender o lugar que ocupa o livro na produção do autor.
Reconhecer as temáticas de que se ocupa o autor nesse livro.
Reconhecer o poema como espaço de reflexão filosófica.
 

1ª Etapa: Drummond: mineiramente

Antes de iniciar esta sequência consulte os links sugeridos na aba Para Organizar o seu trabalho e saber mais 

 

Sugerimos que o professor comece levantando alguns dados biográficos do poeta. Como seu lugar de nascimento é também um pertencimento poético, eles são relevantes.  Utilize o link nº 5, indicado na área Para Organizar o seu Trabalho e saber mais para obter os dados.

2ª Etapa: Ler Drummond: uma experiência para a vida

Ler Drummond corresponde a uma experiência fundamental para quem quer se aproximar da obra do poeta. Sugere-se que o professor divida a classe em duplas ou em trios e peça para que cada grupo escolha um poema e prepare uma leitura em voz alta do texto. Sugere-se ainda que o professor também escolha um poema e leia para a classe. Os poemas devem ser lidos para a classe em uma experiência de fruição. Peça aos alunos para prepararem a leitura. Podem, se quiserem, dividir a leitura entre os membros do grupo, como num jogral.

Em seguida, a observação da organização do livro poderia ser uma boa maneira de os alunos se aproximarem do conjunto dos poemas. O livro está organizado em seis partes: Entre lobo e cão; Notícias amorosas; O menino e os homens; Selo de Minas; Os lábios cerrados; A máquina do mundo.

Em seguida, seria importante situar o livro no conjunto da obra do poeta.

 

3ª Etapa: O lugar de Claro enigma na poesia de Drummond

Claro enigma é tido por diversos críticos como uma fase de maturidade ou mesmo apogeu da produção de Drummond. É difícil falar de apogeu diante de uma poesia que lavrou como poucos os sentidos, dicções, ritmos e sons das palavras, que mergulhou tão fundo na existência e nos sentimentos humanos. Para efeitos didáticos, é possível dizer que Claro enigma corresponde a uma terceira fase de produção do escritor. 

 

Inicie a aula explicando aos alunos o que marca cada uma delas. A primeira, que reúne fundamentalmente os livros Alguma poesia e Brejo das almas, corresponde a uma fase de exploração do cotidiano e da memória. Pode-se notar aqui, o recurso do humor como caminho de reflexão, como Cota zero: “Stop/ a vida parou/ ou foi o automóvel?” é dessa fase o poema “No meio do caminho”, o poema que transformou a pedra em elemento recorrente na produção de outros poemas do próprio Drummond e na de outros poetas.

 

Nos três livros seguintes, Sentimento do mundo, José e A rosa do povo, o poeta vive o “mundo caduco” assolado pela 2ª guerra mundial.

 

A noite caiu. Tremenda,

Sem esperança… […]

De: A noite dissolve os homens

 

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

[…]

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.

(Os ombros suportam o mundo)

 

Claro enigma corresponde à fase posterior, em que, depois do pesadelo da guerra, que foi acompanhado por uma descrença nas utopias que previam uma sociedade mais igualitária, justa, irmanada, o poeta se volta à investigação filosófica sobre a existência. 

 

Leia com os alunos este trecho escrito pelo estudioso Vagner Camilo, em Drummond: da rosa do povo à rosa das trevas, que assim situa historicamente o livro:

 

[…] diante de uma conjuntura histórica marcada pela frustração da utopia revolucionária e de todo empenho participante, o sujeito lírico [de Claro enigma], que, segundo alguns intérpretes, acabaria por […] supostamente recolher-se ao isolamento de sua torre-de-marfim, estaria, na verdade, operando uma retirada estratégica […].

 

CAMILO, Vagner. Drummond: da rosa do povo à rosa das trevas. São Paulo: Ateliê, 2001.)

 

Segundo o estudioso, o livro estaria marcado por

 

uma percepção mais ampla e distanciada da História, que abarca além do “estreito rio presente”. […] A essa conversão da História em Natureza associam-se outros aspectos decisivos para a devida compreensão do livro de 51 [Claro enigma]. São eles a concepção de tempo cíclico, a retomada do mito e o senso de fatalidade ou destino (…).  (op. cit)

 

Converse com os alunos sobre essa trajetória e discuta que sentido teria, nesse contexto, uma volta à reflexão de caráter mais filosófico sobre a existência. Peça também para formularem hipóteses sobre o tom em que, nesse contexto, supõem que se daria essa reflexão: seria mais otimista ou pessimista? Melancólica? Esperançosa? Os alunos devem debater oralmente essas questões. Seria interessante registrar um resumo das ideias principais, ainda que resultem da discussão ideias diferentes.

4ª Etapa: O que é o livro

Peça aos alunos que levantem os temas de cada parte e peça que identifiquem trechos que manifestem esses temas. Ao longo da explicação, sugere-se ao professor que peça aos alunos a leitura dos poemas citados. Ao final, os alunos podem construir um cartaz coletivo com as palavras-chave de cada parte e um trecho de um poema a elas associado. 

 

Os temas são variados, mas, de um modo geral, são marcados pela indagação do sentido mesmo da vida, por questões filosóficas que se estendem pelo território da memória, dos afetos pessoais e literários.

 

 I- Entre lobo e cão, nome da primeira parte, agrupa poemas que introduzem a descrença e a desesperança do poeta diante de um mundo que acabara de viver os episódios dramáticos e bárbaros da 2ª guerra mundial. Como registra o poema Dissolução, 

 

Escurece, e não me seduz

tatear sequer uma lâmpada

[…]

no mundo, perene trânsito

calamo-nos. 

 

Na escuridão e no silêncio inicia-se essa nova etapa da poesia drummondiana. O desencanto com relação ao ser humano fica evidente no poema Um boi vê os homens, em que o animal, ao tecer considerações sobre a humanidade, mostra-se mais humano que aqueles que observa: 

 

[…] Têm talvez,

certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem

perdoar a agitação interior que os torna tão pobres […]

 

Esse olhar sem esperança nem clemência manifesta-se em vários outros poemas, como em Cantiga de enganar: 

 

O mundo não vale o mundo, meu bem.

 

Em sua “Oficina irritada”, o poeta parece querer “fazer sofrer” – mas ainda aí se afirma o fazer poético como caminho.

Em II- Notícias amorosas o poeta celebra o amor – um amor da maturidade, que se afirma e se nega na mesma toada poética: 

 

Que pode uma criatura senão,

 entre criaturas/ amar? 

[…] 

Amar nossa falta mesma de amor, e na secura nossa

amar a água implícita, e o beijo tácito,, a sede infinita

(Amar). 

 

“Onda e amor, onde amor, ando indagando

 ao largo vento e à rocha imperativa” 

(Entre o ser e as coisas).

Seguem-se três partes cujos são marcados por evocações, memórias de lugares e pessoas. Nessa memória melancólica, saudosa, a certeza de um mundo que não é mais, encerrado definitivamente em um passado irrecuperável.

 

III – O menino e os homens evoca amigos e familiares, uma vida de juventude e constata a passagem do tempo: 

 

[…] A terra

anda morrendo sempre,

e a vida, se persiste,

passa descompassada,

e nosso andar é lento,

curto nosso respiro […]

(A um varão, que acaba de nascer) 

 

Os poemas marcam também o encontro imaginário do eu lírico com outros poetas num testemunho de gratidão literária: Mário Quinatana, Rimbaud, Blake, Camões

IV – Selo de Minas traz estampas de cidades mineiras como Mariana, Vila Rica – hoje Ouro Preto –, Itabira. Ao evocar Vila Rica, o poeta recupera marcos do lugar: algumas de suas igrejas, como a São Francisco de cima, Mercês, do Carmo, o hotel Toffolo, o Museu da Inconfidência. Ao referir-se a Ouro Preto, no entanto, focaliza a morte das casas da cidade em um poema intitulado justamente Morte das casas de Ouro Preto: 

 

Sobre o tempo, sobre a taipa

a chuva escorre. As paredes

que viram morrer os homens […]

 já não veem.

Também morrem. 

 

Alguns dos poemas reunidos em V – Lábios evocam familiares do eu lírico, daqueles que “não vivem senão em nós”. Alguns deles evocam o pai, “e seu rosto, nem triste nem risonho” (Encontro). No longo poema A mesa, uma das mais emocionantes homenagens à figura do pai: 

 

E não gostavas de festa…

Ó velho, que festa grande

 hoje te faria a gente. 

[…]

Estais muito acima de nós,

acima deste jantar

para o qual vos convocamos

por muito – enfim – vos querermos

e, amando, nos iludirmos junto da mesa

vazia”.

 

VI – A máquina do mundo traz outro poema muito estudado na obra do poeta. Com o mesmo título da parte em que se insere, coloca o eu lírico no caminho pedregoso de Minas “no fecho da tarde”. Nesse caminho, o eu lírico se depara com a máquina do mundo, capaz de oferecer 

 

essa total explicação da vida

esse nexo primeiro e singular.

Mas, como se fosse 

 

[…] outro ser, não mais aquele

habitante de mim há tantos anos”,

 

o eu lírico desdenha “colher a coisa oferta” e segue

 

[…] vagaroso, de mão pensas.  

 

Considerado por alguns como o melhor poema da obra de Drummond, A máquina do mundo ecoa uma longa cadeia de poemas da literatura ocidental escritos por poetas como Homero, Dante, Camões, Descartes e Gregório de Matos, entre outros.  Ao recusar a oferta de total explicação da existência da máquina, o poeta afirma a necessidade de que os enigmas (do mundo, da existência) permaneçam como tal; e assim, ao mesmo tempo, afirma nossa humanidade – uma humanidade moderna, com todos os seus desconfortos. 

 

Apesar do tom desencantado, é possível afirmar que a afirmação da crença no que há de humano em nós vem do fato da afirmação de uma poesia que se tece e se afirma apesar de tudo. 

5ª Etapa: A linguagem de Claro enigma

Inicie a aula chamando a atenção para dois aspectos que terão impacto na análise da linguagem dos poemas reunidos em Claro enigma: a epígrafe do poeta francês P. Valéry (Les évenements m’ennuient – Os acontecimentos me entediam) e um olhar sobre as formas dos poemas.

Quanto à epígrafe, pode sugerir que o poeta quer distanciar-se dos acontecimentos para apenas planar sobre o território filosófico. De fato, os poemas do livro estão fortemente marcados pela indagação acerca do ser humano e de sua existência. Mas essa indagação parte da observação da vida, das evocações dos acontecimentos, dos afetos, dos lugares que habitam o eu lírico.

 

Dessa visão nasce também uma afirmação do fazer poético, como neste trecho, que afirma a vida e a memória como “pasto de poesia”:

 

A palavra poética

Tua memória, pasto de poesia, 

tua poesia, pasto dos vulgares, 

vão se engastando numa coisa fria 

a que tu chamas: vida, e seus pesares. 

(Remissão)

 

Não se pretende, porém, uma poesia digestiva, mas uma que, indagativa, quer incomodar o leitor:

 

Eu quero compor um soneto duro

como poeta algum ousara escrever.

Eu quero pintar um soneto escuro,

seco, abafado, difícil de ler.

(Oficina irritada)

 

Após essa discussão inicial, conduza o olhar do aluno por um passeio pelos poemas chamando a atenção para a forma que pare deles adota: sonetos (Remissão, A ingaia ciência, Sonetilho do falso Fernando Pessoa, Oficina irritada, entre outros), tercetos (Os animais do presépio, Memória)  e versos dísticos (Relógio do Rosário) marcam o diálogo desses poemas com as formas clássicas, praticadas por poetas como Dante, Camões e outros, citados em outros poemas do livro, como A máquina do mundo. 

 

É inegável a presença dessa traição na obra. Mas ela convive com as conquistas da modernidade, como os versos brancos, uma poesia quase prosa, como em Quintana’s bar, ou com elementos da linguagem dramática, como Os bens e o sangue. Leia esses poemas com os alunos e observe com eles esse prosaísmo e proponha uma leitura dramatizada de Os bens e o sangue.

 

Por fim, vale ressaltar a influência do Surrealismo na valorização de um universo onírico, imaginativo, como em Cantiga de enganar, que faz do sonho mesmo parte de sua matéria de reflexão, ou A máquina do mundo, em que o eu lírico é colocado em um ambiente onírico para viver o encontro com a máquina “majestosa e circunspecta”.  Levante esses aspectos com os alunos.

 

6ª Etapa: Fechamento

A forte presença de Minas na poesia de Drummond pode ser um ponto de partida para o fechamento das leituras de Claro enigma. Sugerimos que o professor peça aos alunos para localizarem imagens das paisagens citadas na parte IV – Selo de Minas e destaque dos poemas correspondentes alguns versos que considerem mais significativos.

 

Sugere-se por fim que os alunos busquem as marcas dessa mineiridade em alguns poemas identificando uma seleção léxica que aponte para a presença desse lugar no conjunto de poemas. Os poemas reunidos em Selo de Minas, por exemplo, trazem fartamente essas alusões na descrição de paisagens de Mariana (Evocação de mariana), Vila Rica (Estampas de Vila Rica), Ouro Preto (Mosrte das casas de Ouro Preto); do poema Os bens e o sangue, marcado pelas referências a Itabira, às fazendas de café, às lavras.

 

Mas em outros também é possível identificar referências à origem do poeta. É o caso, por exemplo, do poema A máquina do mundo, cujo primeiro verso cita Minas:

 

E como eu palmilhasse vagamente

Uma estrada de Minas, pedregosa, 

[…]

 

Em A mesa, as referências a tutu e torresminho trazem à boca o gosto da comida mineira mais radicional. Uma mineiridade reforçada com o neologismo menineirada em

 

Repara um pouquinho nesta,

No queixo, no olhar, no gesto,

E na consciência profunda

E na graça da menineirada

[…]

 

Minas também está presente na valorização da família, nas alusões a serafins, anjos e outras figuras próprias de uma religiosidade valorizada em Minas. Esses também são aspectos que os alunos podem levantar. Os alunos podem escrever versos em que esses aspectos estejam presentes em um cartaz, junto com as imagens que selecionarem.

 

Materiais Relacionados

1. Acesse os links a seguir para ter acesso a documentários sobre a vida e a obra de Carlos Drummond de Andrade.

 
 
2. Dois links para você ouvir Drummond.
 
neste você acompanha uma entrevista com o poeta
 
 
3. Assista acessando o endereço a seguir a um espetáculo que mistura, poeticamente, análise da obra de Drummond, música e vídeo-montagens.  
 
4. É grande o número de obras dedicadas ao estudo da poesia de Drummond, um dos maiores poetas brasileiros. Apontamos apenas dois dentre eles.
 
 
ARRIGUCCI, David. Coração partido. São Paulo: Cosac&Naif, 2002. Neste livro o crítico persegue o modelo lírico de Drummond, identificando-o principalmente na indagação metafísica, no dilaceramento amoroso, o risco do trágico, a impossibilidade de comunicação e explicação do mundo.
 
BOSI, Alfredo. “A máquina do mundo” entre o símbolo e a alegoria. In: Céu, inferno. São Paulo: Duas cidades/ Editora 34, 2003, p.99. Neste livro Bosi desenvolve uma análise de um dos principais poemas de Claro enigma.
 

Arquivos anexados

  1. Claro Enigma – Carlos Drummond de Andrade

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